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Diário de Gaza

Em enclave miserável, o futuro insuportável já chegou

Por JODI RUDOREN

CIDADE DE GAZA - As casas do Bairro Esquecido têm paredes, mas não têm piso no chão. As pessoas sentam, comem e dormem na areia.

Durante o Ramadã, em agosto, algumas famílias do lugar abateram um cavalo manco e consumiram sua carne em espetos, porque não tinham dinheiro para comprar carne de boi ou carneiro. Reem al Ghora não acordou suas filhas em alguns dias para a refeição permitida antes do amanhecer, "porque não havia o que comer".

Um relatório divulgado em 27 de agosto pela ONU questionou se a área de 360 km2 será "um lugar habitável" em 2012, citando a falta de alimentos, água, eletricidade, empregos, leitos hospitalares e salas de aula, em meio a uma explosão demográfica no enclave que já é um dos lugares mais densamente povoados do planeta. Mas, para milhares dos moradores mais pobres de Gaza, como os que vivem nos barracos erguidos em terrenos públicos, no chamado Bairro Esquecido, o lugar "será inabitável antes disso -já é inabitável hoje", nas palavras de uma moradora, Maliha Hijila.

Nos últimos quatro anos, 40 famílias foram viver no Bairro Esquecido. O governo do Hamas ordenou a demolição de seus barracos pouco depois de as famílias se assentarem no local, reiterando as ordens cinco meses atrás, mas as máquinas de demolição ainda não chegaram.

Um boom de construção está em curso em boa parte da faixa de Gaza desde que Israel reduziu o bloqueio do território, dois anos atrás, e os túneis pelos quais chega contrabando do Egito estão em plena atividade outra vez, depois de serem fechados brevemente em agosto em função de um ataque terrorista na fronteira.

Mas, a despeito dessas oportunidades econômicas maiores, o relatório das Nações Unidas diz que a situação está pior hoje que nos anos 1990 e que deve se agravar ainda mais à medida que a população do território se aproximar de 2,1 milhões de pessoas, nos próximos oito anos.

Sejam quais forem as razões dos problemas econômicos da faixa de Gaza, não há dúvida quanto ao sofrimento de alguns habitantes da região.

O relatório constatou que o PIB per capita caiu de US$ 1.327 em 1994 para US$ 1.165 em 2011, já contabilizada a inflação, enquanto o desemprego subiu, estando hoje em quase 30%, porcentagem que é muito mais alta entre as mulheres e os jovens.

No início de setembro, um jovem desesperado de 18 anos que não conseguia achar nenhum trabalho exceto vender saquinhos de batatas fritas ateou fogo ao próprio corpo em frente do hospital Al Shifa, morrendo mais tarde das queimaduras.

A situação desesperadora só não é ainda pior em grande medida graças à ajuda recebida do exterior e, especialmente, das Nações Unidas.

A cada três meses, Reem al Ghora, a mãe que não acordou suas filhas durante o Ramadã, recebe da ONU cinco sacos de farinha de trigo, três de açúcar e também arroz, óleo e outros alimentos básicos. Ela, seu marido, que aguarda uma cirurgia por uma lesão nas costas, e seus 11 filhos vivem em três cômodos. Eles não têm geladeira.

"Vivo os piores dias de minha vida", contou ela. "Nem gosto mais de visitar minhas irmãs, que têm móveis, geladeira, TV. Quando vejo pessoas que vivem bem, eu me pergunto o que fizemos de errado."

Fares Akram colaborou com reportagem

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