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Comida espanhola volta às origens

Por GLENN COLLINS

Parece um sonho impossível, embora não exatamente aquele que o Homem da Mancha cantava sobre o palco. É assim: na próxima década, dezenas de cozinheiros americanos versados na autêntica cozinha da Espanha e treinados em restaurantes espanhóis irão começar a se espalhar pelos EUA.

Com o tempo, centenas, e depois milhares, servirão uma comida que não é nem caribenha nem latino-americana, e sim fielmente espanhola.

Eles não só pilotarão restaurantes reconhecidamente espanhóis como também criarão novos estabelecimentos. No fim das contas, isso irá aumentar a demanda americana por vinhos e outros produtos da Espanha.

Para que isso vire realidade, o próprio sonhador -que não é Dom Quixote, e sim José Andrés, o mais conhecido chefe espanhol nos EUA- foi fritar um ovo na cozinha de uma escola de gastronomia. Ele inclinou uma frigideira aquecida com azeite de oliva e fez um movimento circular enquanto a clara endurecia ao redor de uma gema reluzentemente amarela. Lembrava uma clássica pintura de Velázquez do começo do século 17, "Velha Fritando Ovos".

"É Velázquez, não poderia ser mais espanhol, e é simples", disse Andrés, que se tornou chefe do departamento de estudos espanhóis do Centro Internacional de Culinária, em Manhattan.

"Todo mundo acha que a técnica espanhola é complicada, mas ela realmente tem a ver com a simplicidade e é exatamente isso que devemos ensinar."

Foi a paixão pela cozinha da sua terra que levou Andrés a sugerir a criação de um curso que mergulhe futuros profissionais na culinária e no idioma da Espanha.

Um dos objetivos do curso -popularizar os produtos espanhóis nos EUA- é mais necessário do que nunca. Apesar da persistente reputação da alta gastronomia espanhola, graças a chefs como Ferran Adrià e outros, as medidas de austeridade europeias causaram também uma crise culinária na Espanha. O desemprego por lá atinge 24%, o maior da Europa, e cerca de 12 mil restaurantes já fecharam suas portas no país desde 2008.

Para Andrés, o novo currículo é uma demonstração de fé no futuro da gastronomia espanhola. "Pode-se pensar nela como algo em voga atualmente", disse ele, "mas não é um modismo -ela veio para ficar".

Andrés, 43, dono de 14 restaurantes em Las Vegas, Los Angeles, Miami e Washington, há muito tempo queria promover uma escola de culinária espanhola. No ano passado, ele procurou a fundadora e presidente do centro culinário, Dorothy Cann Hamilton, a quem ele conhecia desde a década de 1990. "Ele me disse: 'Precisamos fazer uma escola espanhola'", rememorou Hamilton.

Grande parte da comida espanhola habitualmente servida nos EUA é fajuta, "uma mistura de muitas culturas -mexicana, dominicana, porto-riquenha e portuguesa", disse Colman Andrews, fundador da revista "Saveur". Andrews, biógrafo de Adrià, é também autor de um canônico livro sobre a culinária catalã, lançado em 1988, e diretor editorial do site de gastronomia The Daily Meal. "Esse currículo devolve a cozinha espanhola às suas raízes", disse ele.

Andrews disse que grandes ondas de imigração francesa, italiana e latino-americana para os EUA ao longo de dois séculos deram visibilidade a essas cozinhas. A culinária espanhola ficou tão mal representada, disse ele, que muitos imigrantes espanhóis preferiram abrir restaurantes, por exemplo, italianos.

Em fevereiro, uma classe inicial de 24 alunos irá estudar por dez semanas no centro culinário. A escola estima que a implantação do curso irá custar US$ 5 milhões.

Andrés recentemente visitou uma cozinha-escola para transmitir sua estética e suas técnicas a Candy Argondizza, vice-presidente do centro culinário e supervisora do curso. "Tentar capturar a paixão de José como professor -é isso que irá fazer nosso programa funcionar", afirmou ela.

Andrés espera que os alunos compreendam profundamente os produtos que servem de base à culinária espanhola, como a páprica, o presunto cru e os peixes e mariscos desidratados.

"Se no futuro houver milhares de pessoas formadas pelo programa, isso abre a possibilidade de milhares de novos restaurantes americanos servirem uma culinária mais autêntica", disse Andrés. "Agora é o momento de ir atrás do próximo grau de qualidade na cozinha espanhola."

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