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Ilha de Páscoa desafia o governo do Chile

Por SIMON ROMERO

HANGA ROA, ilha de Páscoa - Não muito tempo atrás, como alguns idosos da população rapanui lembram com saudade, uma sensação de profundo isolamento dominava esTe pontinho de terra varrido pelo vento no Pacífico. Cavalos eram o principal meio de transporte, os voos para o mundo exterior eram raros e espaçados, e a língua polinésia dominava a maior parte das esferas da vida.

Hoje, tantos carros percorrem as estradas desta frágil ilha que os rapanui temem que eles superem o número de moais, as admiradas estátuas gigantescas que seus ancestrais escavaram na pedra vulcânica, intrigando os arqueólogos. O espanhol, a língua do Chile, que anexou a ilha de Páscoa em 1888, hoje predomina na maior parte do território.

Novos hotéis de luxo que atendem a chilenos e estrangeiros endinheirados cobram US$ 1.100 por noite, acentuando a crescente desigualdade de renda.

E há outra característica da vida no Chile, país que enfrenta duros protestos contra o governo, que chegou aqui: choques violentos com as forças de segurança.

Inspirados por outras partes da Polinésia que obtiveram um grau considerável de autonomia política, líderes da população rapanui estão intensificando uma rebelião latente contra o Chile. Seu movimento na ilha -que eles chamam de Rapa Nui, e não de ilha de Páscoa- representa um teste único para um país latino-americano: conter um desafio a seu domínio no meio do Pacífico.

Os recém-chegados do Chile continental, a mais de 3.000 km de distância, estão aumentando acentuadamente a população da ilha de Páscoa, que cresceu 54% na última década, chegando a 5.800 habitantes.

Os continentais, como são chamados os chilenos, hoje superam ligeiramente os rapanui na ilha. São cerca de 3.000 para 2.800, segundo a prefeita Luz del Carmen Zasso Paoa.

Os protestos aqui se cristalizaram em torno dos esforços abortados de um importante clã rapanui, os Hitorangi, de recuperar terras onde foi recentemente construído um hotel de luxo. Mas também surgiram outras fontes de revolta entre os rapanui, incluindo os privilégios como moradia subsidiada estendidos a alguns chilenos, a concorrência por empregos no lucrativo setor de turismo e o controle do continente sobre os assuntos da ilha.

Apesar da agitação, a ilha de Páscoa ainda causa maravilha. Quase mil moais monolíticos continuam espalhados ao redor de crateras vulcânicas e das praias de areia, guardando os segredos de uma ilha colonizada há mais de nove séculos por exploradores polinésios.

Mas disputas não resolvidas sobre terra e soberania entre os rapanui e os continentais -e mesmo entre alguns dos próprios rapanui - estão perturbando esse posto avançado que superficialmente tem uma vida tranquila. Em vez de subjugar o movimento por autonomia, a repressão parece ter aumentado o ressentimento. Neste ano, o Parlamento Rapa Nui levou sua luta aos tribunais, em um processo contra o Estado chileno reivindicando a independência.

Líderes do Parlamento Rapa Nui disseram que esperam perder o processo de independência no continente, mas o consideram um passo para prosseguir com as reivindicações em outras instâncias, como a Corte Internacional de Justiça.

Eles estão se inspirando em movimentos semelhantes em outros lugares da Polinésia, que podem parecer distantes no Chile, mas não nos ventos políticos cambiantes do Pacífico.

Um modelo em estudo aqui é o das ilhas Cook, uma democracia parlamentar autônoma em livre associação com a Nova Zelândia. Outro é o da Nova a Caledônia, um território ultramarino francês onde a França enfrenta um movimento de independência.

Ainda assim, o sentimento pró-independência, embora apoiado por facções consideráveis de rapanui, de modo algum é unânime. Alberto Hotus, diretor do Conselho dos Anciãos, do qual se derivou o Parlamento Rapa Nui, indicou que a ilha ainda depende do Chile para o atendimento de saúde, alimentos, telecomunicações e voos para o continente.

Para complicar as coisas, há muitas disputas sobre invasão de terras ancestrais.

"Os chilenos nos trataram como cães, e agora queremos o que é nosso", disse um pescador que vive em terra invadida.

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