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Natureza projeta crânios que suportam golpes e batidas

Por SIMON WINCHESTER

Uma caixa craniana pode ser uma estrutura sólida e bem projetada, mas será suficientemente robusta para proteger um pica-pau de terríveis dores de cabeça?

E o que dizer de carneiros e alces que trocam marradas ferozes? Como é que seus cérebros não viram mingau?

Algumas respostas estão no segundo andar de um sobrado residencial nos arredores de Coventry, na Inglaterra. É lá que Alan Dudley passou as últimas quatro décadas debruçado sobre uma curiosa obsessão.

A pesquisa é um hobby. Dudley trabalha escolhendo revestimentos para serem colados nos painéis de automóveis caros. Só após o expediente é que ele se dedica a estudar crânios.

A coleção de Dudley vai de um crânio de passarinho a um de hipopótamo, passando por muitas criaturas que fazem coisas violentas com as suas cabeças, incluindo o carneiro e o pica-pau.

Esses dois animais têm crânios densos, especialmente na parte de trás, a caixa craniana, construída como um carro blindado. Além do mais -e isso é importante- essas caixas são também excepcionalmente lisas por dentro.

Os cérebros da maioria dos animais propensos a baterem as cabeças, o que inclui cervos e outros animais com chifres, além de várias aves, são relativamente pequenos e (ao contrário dos humanos) têm superfícies lisas. Eles são também banhados por quantidades pequenas de líquido cefalorraquiano, deixando pouco espaço para que o cérebro se desloque e seja lesionado por repentinas acelerações e desacelerações da cabeça.

Além disso, carneiros e pica-paus são cuidadosos na forma precisa com que batem a cabeça nas coisas, sejam árvores ou outros animais. Com isso, há pouca torção de um lado para outro, que é o tipo de movimento que provoca o chamado "efeito chicote" na coluna cervical, entre outras lesões.

O ganso-patola resolveu o problema de forma semelhante. Essa ave marinha branca e preta, com até dois metros de envergadura, apanha peixes com mergulhos espetaculares. Começando a 30 metros de altura, ou mais, ele entra na água a 80 km/h, e vai até bem abaixo da superfície, sempre perseguindo o peixe escolhido e usando as asas para nadar, como fazem os pinguins.

Para mitigar o traumatismo craniano de uma colisão a 80 km/h contra uma parede de água, bolsas de ar no rosto do ganso-patola servem de almofada. Além disso, ele não tem narinas que possam ser invadidas pela água, o que causaria danos aos delicados tecidos internos.

O crânio de um ganso-patola é forte, delicado, sem furos e capaz de se inclinar para baixo no pouso, mas de se manter reto ao passar a grande velocidade pela água.

Alguns crânios são estreitos e delicados como os das gazelas, outros, como os dos leões, são atarracados, gordos e fortes. A dona de um deles pasta e campeia com elegância. O proprietário do outro fica parado e espera a chance de esmagar e matar a presa. Invariavelmente, uma fusão entre forma e função é exibida com perfeição no crânio de um animal. Compare as enormes mandíbulas de um lobo, por exemplo, com o arranjo mais modesto na boca de uma lebre.

As protuberâncias no alto dos crânios de algumas espécies também dizem muita coisa. O leão da montanha, por exemplo, tem uma espécie de vela de navio, chamada de crista sagital, à qual estão presos os músculos da sua mandíbula. Isso lhe dá uma mordida ainda mais esmagadora.

Se você topar com um animal modesto com uma grande crista sagital -um quati, por exemplo-, é melhor evitá-lo. Quando um quati briga, ele morde. Quando a mordida acontece, os músculos ligados à sua crista sagital permitem que ele crave seus caninos com força.

Estruturas chamadas bulas timpânicas podem mostrar, pelos ossos, se um animal escuta bem ou não. Coelhos e lebres saltadoras têm bulas timpânicas enormes. Dizem que as câmaras cercadas por tais cavidades ressoam perfeitamente diante do som produzido por uma coruja em voo vertical para baixo, alertando o animal para se entocar.

Até que o crânio fosse examinado, ninguém tinha ideia de como era possível a percepção pelo coelho do voo da coruja.

O estudo do crânio, portanto, está cheio de pistas sobre como os animais se comportam -o que dá mais satisfação intelectual a Alan Dudley.

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