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Pesquisas entre povos indígenas ajudam saúde

Por JEAN FRIEDMAN-RUDOVSKY

SANTA MARÍA, Bolivia - Como dezenas de outros povos indígenas amazônicos, os tsimane (ou chimane), que vivem no norte da Bolívia, moram em comunidades pequenas, sobrevivendo da pesca, da caça e da agricultura de subsistência. Eles têm famílias grandes e são vitimados por parasitas, vermes e doenças infectocontagiosas. Até uma década atrás, poucos tinham contato com médicos.

Desde 2002, entretanto, quando foi fundado o Projeto Saúde e História de Vida dos Tsimane, eles se tornaram possivelmente o povo indígena mais estudado do hemisfério ocidental, talvez até do mundo.

Mais de 50 pesquisadores, médicos e estudantes bolivianos e americanos já participaram do projeto, gerando uma série de estudos de referência. A população de 13 mil tsimane que vive nas margens do rio Maniqui, tornou-se o "homem tradicional" da comunidade científica do século 21.

As pesquisas feitas junto à comunidade tsimane levaram à descoberta, em 2009, de que as doenças cardiovasculares provavelmente são um mal das sociedades modernas. As pesquisas em curso exploram vínculos entre testosterona e infecção, dieta e o valor nutricional do leite materno, DNA e o tempo de vida dos indivíduos.

Já foram publicados resultados de 42 estudos, e pelo menos outros 33 estão em curso. O antropólogo Michael Gurven, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, é um dos fundadores e diretores do projeto. Ele disse que o foco dos estudos é o envelhecimento. "Analisamos as diferenças e as semelhanças entre as populações tsimane e ocidental", explicou.

Os tsimane foram escolhidos em função de seu número. De todos os grupos indígenas da Amazônia que ainda conservam um modo de vida relativamente tradicional, eles formam um dos que têm o maior número de pessoas.

Eles também possuem a vantagem de contar com a diversidade no interior de sua população, segundo Hillard Kaplan, antropólogo da Universidade do Novo México e o outro fundador e diretor do projeto. Alguns poucos tsimane vivem em San Borja, a única cidade da região. Eles possuem motos e usam celulares. Longe da cidade, a vida dos tsimane é mais tradicional.

Em Puerto Yucumo, uma aldeia de choupanas em meio a bananais, mulheres sentam-se em grupinhos, cuidando de bebês (a média é de nove filhos por família), cozinhando ou trabalhando em seus teares. Poucas concluíram o ensino primário.

A chegada de médicos e antropólogos vem exercendo algum efeito sobre a cultura dos tsimane, reconhecem os pesquisadores, mas não tanto quanto se poderia imaginar. Para Kaplan, o estilo de vida tsimane foi modificado muito mais pelos auxílios dados pelo governo para as crianças e os idosos. Ele disse que sua equipe oferece exames médicos básicos para todos os interessados, fornece medicamentos gratuitos para doenças comuns, como parasitas intestinais, e faz exames de sangue, urina e fezes.

Mas, nas margens mais distantes do rio Maniqui, percebe-se que o atendimento médico apenas intermitente é insuficiente. "Tínhamos oito filhos, hoje são só sete", diz Damiana Vie Cari, 33, de San Joaquin, cujo filho de três meses de idade morreu depois de ter ficado deitado no campo enquanto ela trabalhava. "Foi sol demais."

De acordo com estimativas feitas pelo projeto, 5% dos tsimane morrem antes de completar um ano de vida. É menos do que os 12% que morriam em 2002. A redução da mortalidade infantil e materna vem sendo a maior contribuição da equipe para a saúde pública na região. Cerca de 15% dos tsimane morrem antes de completar 5 anos.

A doutoranda Melanie Martin, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, se recorda do entusiasmo com que relatou suas descobertas recentes aos moradores do povoado em que tinha feito suas pesquisas: comparado com o leite materno produzido por mulheres ocidentais, o leite das tsimane é mais rico em ácidos graxos ômega-3, críticos para o desenvolvimento cerebral. Ela conta que foi recebida com "olhares de incompreensão". Uma mulher perguntou: "Quer dizer que precisamos de remédio?".

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