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Crianças sinalizam perigosas estradas afegãs

Por GRAHAM BOWLEY

MAHI PAR, Afeganistão - Ao lado de enormes paredes de rocha, em uma estrada traiçoeira com despenhadeiros profundos, filas de caminhões se arrastam vindos da fronteira paquistanesa. Eles gemem sob cargas de contêineres metálicos do tamanho de casas e caixas que balançam embaixo das lonas.

Entre os caminhões, esgueiram-se carros, vans e mulheres de burca, além de cargas abertas de vacas e jumentos.

Em meio à grande onda de tráfego, perfurando o ruído com seus gritos e assobios, estão os meninos das garrafas Pepsi. Eles ganham sua magra subsistência conduzindo o fluxo de caminhões neste trecho da estrada de Jalalabad, uma das principais rotas de suprimento da Otan para Cabul e um dos locais mais mortíferos das estradas afegãs.

"Eu não gosto disso, mas tenho que trabalhar e ganhar dinheiro", diz Samiullah, 12, um menino de rosto sério que usa um boné de beisebol vermelho.

Ele orientava o tráfego em uma das curvas mais assustadoras da estrada, onde os carros saem em disparada de um túnel na montanha e três caminhões-tanques jazem enferrujados. "Sei que posso ser morto a qualquer momento."

Samiullah agitava uma garrafa de refrigerante achatada, o instrumento típico dessa polícia de trânsito autoinstituída.

A garrafa era um símbolo de sua pobreza. Essas crianças não possuem quase mais nada no mundo. Também é um sinal para os motoristas de que eles podem atirar algumas moedas em agradecimento. "Sem nós, haveria um acidente todos os dias", diz Samiullah.

A economia de guerra afeta todos do Afeganistão, principalmente os meninos das garrafas Pepsi, um bom exemplo de como os afegãos moldaram suas vidas ao redor da presença militar norte-americana.

As crianças vêm dos bazares de Pul-i-Charkhi, nos subúrbios pobres a leste de Cabul, para trabalhar durante algumas horas infernais em Mahi Par.

No final do ano passado, elas começaram a experimentar como será a vida depois da partida dos norte-americanos, em 2014.

Quando o Paquistão fechou a fronteira para os caminhões de suprimento da Otan, em novembro de 2011, os veículos deixaram de chegar e, de repente, as crianças ficaram sem emprego.

"Os negócios estavam muito ruins na época", disse um jovem, Ziaullah, que não sabia sua idade, mas parecia ter cerca de 20 anos. "Isso prejudicou muito o nosso negócio, porque geralmente os motoristas dos caminhões nos pagam, o que carros pequenos não fazem. Eles costumam pagar de dez a 20 rupias", ou seja, US$ 0,10 a US$ 0,20. "Naquela época, eu ganhava de cem a 150 afegânis por dia", ou US$ 2 a US$ 3.

"Estou contente porque a estrada está aberta", disse Ziaullah. "É bom para o meu trabalho e minha família."

O Paquistão reabriu a fronteira em julho, e os comboios de suprimentos da Otan, dirigidos por paquistaneses e afegãos contratados, recomeçaram.

Todos os meninos nesse trecho de oito quilômetros de curvas a cerca de 45 minutos a leste de Cabul contam histórias de vida de uma pobreza esmagadora.

Samiullah trabalha aqui todos os dias há cinco anos, desde que seu pai ficou paralisado e um inimigo da família matou seu irmão mais velho. Seu amigo Jan Agha, 13, um menino quieto de rosto triste, perdeu o pai e a mãe.

Nem todos os meninos da garrafa Pepsi são crianças.

Mohammedullah, 70, perdeu uma perna em uma explosão de mina durante o domínio taleban. Hoje ele se equilibra junto a um dos túneis em curva durante seis dias por semana, tirando folga apenas nas sextas-feiras.

Ele disse que se os motoristas ignorarem seus avisos e a estrada ficar bloqueada, mesmo por um curto tempo, "é como o fim do mundo ". "Os carros pequenos às vezes me dão dinheiro, mas se eu tiver a sorte de pegar um empresário bom e rico, um governador ou um grande oficial militar, então eu ligo para casa e digo para fazerem sopa de carne", disse. "Nesse dia, minha sorte está voando no céu."

Colaborou Sangar Rahimi

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