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Cineastas criam produções kosher

Religião define forma e conteúdo das produções

Por DEBRA KAMIN

TEL AVIV - No Sukot, a festa judaica da colheita que acontece em outubro, dezenas de mulheres da comunidade dos haredi (judeus ultra-ortodoxos) tiveram algo a mais para festejar: a oportunidade de ir ao cinema.

Filmes feitos por mulheres haredi para um público haredi eram relativamente desconhecidos fora desse grupo religioso, até que a diretora Rama Burshtein apresentou seu longa-metragem "Fill the Void" no Festival de Cinema de Veneza, em setembro.

O filme, que valeu à jovem Hadas Yaron o prêmio de melhor atriz no festival e que mais tarde foi exibido no Festival de Cinema de Nova York, foi elogiado pela crítica, para a qual a perícia técnica de Burshtein pesa mais do que a escassez de seu currículo.

Na realidade, enquanto "Fill the Void" foi o primeiro filme de Burshtein para espectadores seculares, além de religiosos, ela já passou quase duas décadas fazendo filmes para as mulheres haredi-filmes que empregam apenas atrizes e que não contêm violência, sexo ou vocabulário chulo.

Mulheres ultra-ortodoxas em Israel vêm fazendo filmes há algum tempo, obedecendo as normas rígidas dos haredi: homens e mulheres nunca podem ser mostrados juntos na tela, tramas consideradas subversivas ou contrárias às crenças haredi são proibidas e é preciso haver uma lição para a plateia levar para casa. As regras também preveem que o público seja segregado por gênero.

Diretores haredi homens vêm fazendo filmes, há muito tempo, com a ajuda de algumas poucas produtoras. Mas os filmes feitos por mulheres haredi ainda são autofinanciados. Eles são exibidos em salões durante as férias escolares e os feriados de Sukot, Hanukah e Pessach.

"É um evento esperado", conta Dina Perlstein, 46, mãe de oito filhos e que já fez oito filmes. "A comunidade não assiste à televisão. Então, quando chega um feriado e há um filme, todo o mundo quer ver o que fizemos."

Os filmes de Perlstein são tão apreciados que, depois de ser exibidos em Israel, são mostrados nos Estados Unidos e Europa. Seus trabalhos possuem a distinção de geralmente proporcionar lucros, depois de vendidos todos os ingressos.

São os rabinos que decidem o que constitui o cinema kosher.

"Eu consulto meu rabino a cada passo", revela Ruchama Mandl, 31, diretora de filmes, professora e mãe de seis filhos.

Em "The Dreamers", documentário de Efrat Shalom Danon sobre mulheres cineastas haredi, Mandl fica arrasada quando o rabino muda de opinião e considera seu filme "Closed" impróprio para plateias mais jovens, já que uma adolescente na trama se rebela muito levemente contra sua mãe. Mandl e seu marido contraíram um empréstimo de 50 mil shekels (cerca de US$ 13 mil) para fazer o filme. Estão tendo dificuldade em saldar a dívida.

Mas algumas de suas colegas, como a professora de cinema Marlyn Vinig, dizem que o segredo é a persistência. "Quando você acredita realmente no que faz, os rabinos não dirão 'não'", falou Vinig, autora do livro "Orthodox Cinema". "A Halakha" -a lei judaica- "não proíbe as mulheres de atuar. O problema é quando a mulher está cantando, dançando ou algo assim."

As mulheres haredi que querem fazer filmes também enfrentam as perguntas e o ocasional desprezo de seus vizinhos. "Há pessoas para quem é uma perda de tempo", falou Tikvah Stoloff, 46, atriz e mãe de cinco filhos, além de dona de uma loja de perucas. Ela disse que não deixará que as fofocas sejam um obstáculo. Muitas das mulheres veem Burshtein, criada numa família secular, como mentora. Mas Burshtein insiste que é ela quem está sendo ensinada.

"Elas são minhas mentoras", declarou. "O que fazem é muito diferente daquilo que eu estou fazendo. Elas o fazem por sua comunidade. Isso é algo que eu respeito e que é muito bonito."

Não está claro qual será o efeito sobre a comunidade ultra-ortodoxa com o aumento do número de cineastas haredi mulheres.

"Há uma sede enorme por esses filmes", disse Stoloff.

"E acho que os rabinos percebem que é muito importante proporcionar às meninas algo kosher para assistir, algo que as mantenha afastadas das coisas que não são kosher. Eles entendem que há muita coisa aí fora, e as meninas estão expostas a isso. Por isso, de certo modo, eles realmente são a favor de fazermos cinema."

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