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Retirada dos EUA cria receios em Abu Ghraib

Vizinhos de prisão têm perspectivas ambíguas

Por TIM ARANGO
ABU GHRAIB, Iraque - Num dia de folga, Hussam Saad estava junto a uma banca de verduras, separada por uma rodovia da prisão onde ele diz trabalhar.
"Ainda me lembro de vigiar a prisão à noite, e de ouvir as vozes e os gritos enquanto as pessoas eram torturadas", disse Saad, evocando a época em que os americanos controlavam o local.
É difícil verificar as acusações de Saad. Diante do escândalo motivado pelas torturas na prisão, era de se imaginar que Abu Ghraib seria um lugar onde a iminente retirada das tropas dos EUA seria saudada com alegria.
Mas os moradores daqui expressam a mesma ambivalência sentida em todo o Iraque. Tal sentimento reflete o quanto resta por fazer para que este país etnicamente fraturado se reinvente como uma democracia funcional.
Os esforços para incorporar os sunitas ao governo comandado por xiitas têm sido, na melhor das hipóteses, irregulares. As leis destinadas a dividir os petrodólares entre grupos étnicos e feudos regionais ainda estão por serem escritas e definidas.
E, quase dois anos depois de uma eleição nacional, os blocos políticos do país, profundamente divididos, não conseguiram chegar a um acordo ainda sobre quem deve comandar os ministérios de Defesa e Interior.
A cidade de Abu Ghraib já foi mais famosa por seus iogurtes e queijos do que pela prisão. Sob o regime de Saddam Hussein, era uma orgulhosa área tribal sunita. Hoje, sua gente parece ter tanto medo da brigada militar local quanto dos insurgentes.
"É verdade, eles vão mesmo embora?", perguntou Ali Sattar, dono de uma loja de material elétrico atrás da prisão, que se queixou de intimidações por parte das forças locais de segurança. "O que o Exército iraquiano vai fazer quando eles [americanos] forem embora do Iraque? É disso que temos medo."
Também na casa do ancião local, onde muitos homens da família estiveram presos nos últimos anos em instalações carcerárias mantidas pelos EUA aqui e em outros lugares, o fim da guerra gera sentimentos ambíguos.
Um desses homens, Ahmed Ali Dawud, celebrava o fim da presença militar americana no Iraque, mas temia pela capacidade dos iraquianos de superarem a sua própria raiva. Seus amigos e parentes, como em tantas outras comunidades, estiveram divididos entre os que aderiram à insurgência e os que deram as boas vindas aos americanos.
"Isso criou ódio entre as pessoas", afirmou. "Não se pode dizer que as pessoas já tenham se curado. Elas ainda não confiam no governo."
Dawud passou três meses preso em Abu Ghraib, ainda sob comando dos EUA, em 2006, por causa de acusações de terrorismo que ele disse serem falsas. "Eles me tratavam como um animal", disse. Depois, ficou mais "três anos, um mês e 12 dias" no Camp Bucca, uma prisão americana no sul do Iraque.
A invasão americana é apenas uma camada adicional num trauma bem mais profundo, iniciado décadas atrás, e marcado pelo terror do Partido Baath e pelas valas comuns decorrentes, pela devastadora guerra contra o Irã, e pelas sanções internacionais da década de 1990, depois de o Iraque ocupar o Kuait.
Numa parede na casa do ancião há um retrato emoldurado de um parente fardado. Ele era oficial no Exército na época de Saddam, e desapareceu em 1985.
Essa história deixa os iraquianos mais temerosos com o porvir. O xeque Ali Hamad, que também estava na casa discutindo a saída das tropas americanas, deseja a retirada, mas lamenta que os EUA não deixem para trás um Estado mais estável.
"Eles estão deixando o país nas mãos de políticos que são como adolescentes", afirmou. "Pode haver uma guerra sectária. Esse é um escândalo maior do que Abu Ghraib, deixar as coisas inacabadas e com esses políticos."
Na barraca de verduras em frente à prisão, crianças pequenas se aglomeravam, felizes por terem a chance de conversar com um estrangeiro e mostrar seus livros didáticos de inglês.
Saad disse ser funcionário da prisão há 11 anos. Hoje em dia, afirmou, os diretores da prisão separam pessoas de Anbar e Mosul - sunitas - e as maltratam, invertendo o que ocorria no governo de Saddam.
O general Hamed Hamadi al Mousawi, funcionário do Ministério da Justiça, disse que "não há tortura, opressão nem sectarismo" nas prisões iraquianas. Os detentos, segundo ele, recebem cigarros e cobertores.
"Tentamos de todos os modos satisfazê-los com comida, roupas, roupas íntimas, médicos, água, eletricidade", disse.
"Eles têm melhor eletricidade que as [demais] pessoas. Ela não cai. Fazemos isso por muitas razões. Por exemplo, para que eles não pensem em fugir."

Yasir Ghazi contribuiu com reportagem de Bagdá

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