São Paulo, segunda-feira, 01 de fevereiro de 2010

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Vale gastar, mas não ostentar

Tony Cenicola/The New York Times


Por LAURA M. HOLSON

No ano passado, banqueiros de investimento e seus cônjuges mantiveram a carteira fechada durante a temporada dos bônus -primeiro, por pânico; depois, por temerem que turbas com tochas aparecessem diante de suas propriedades muradas.
Agora, após um ano de austeridade autoimposta, e no que prenuncia ser uma espetacular temporada de bônus, o pessoal de Wall Street está abandonando a chamada "fadiga da frugalidade". Esse surto consumista, no entanto, será menos ostensivo do que anteriores.
O Morgan Stanley recentemente disse ter reservado US$ 14,4 bilhões para salários e bônus, ou US$ 235 mil por empregado. No dia seguinte, o Goldman Sachs afirmou que pagará em média US$ 498 mil, sendo que os mais produtivos em cada um desses dois bancos devem receber milhões.
Mais do que em anos anteriores, as cifras desses bônus alimentam um profundo ressentimento nos EUA, abalados por um desemprego de 10%.
Mas há outra classe de indivíduos, além de uns poucos felizardos em Wall Street, que comemora os bônus: os fornecedores de bens e serviços para os ricos. Numa espécie peculiar de filtração de riquezas, agentes imobiliários, concessionárias de carros sofisticados e varejistas de luxo na Grande Nova York estão comemorando como se os bônus fossem deles.
Nos Hamptons, a leste de Nova York, onde os agentes imobiliários cortejam banqueiros que procuram casas de veraneio, as vendas também devem ser uma dádiva para empreiteiros, empresas de mudanças e jardineiros. "Uma comunidade como os Hamptons depende das transações imobiliárias", disse Diane Saatchi, corretora que acaba de vender um imóvel a um banqueiro por US$ 4,9 milhões.
"Não peça para conversar com ele [o comprador] sobre isso", disse Saatchi. "Eles não querem que ninguém saiba que eles estão comprando." Isso inclui parentes do banqueiro, explicou ela, porque ele teme que venham lhe pedir dinheiro. Ninguém, segundo ela, "está se gabando de nada".
No coração dessa possível farra consumista está uma demanda reprimida após um ano dominado por temores de uma nova depressão, dizem varejistas e observadores culturais. "Por qualquer razão, as pessoas sentem a necessidade de se recompensarem por fazerem algo de bom, mesmo que isso signifique apenas sobreviver", afirmou Alexandra Lebenthal, gestora de investimentos e criadora de uma coluna ficcional sobre estripulias financeiras no site NewYorkSocialDiary.com.
Ao mesmo tempo, os banqueiros de investimentos querem evitar a ira de um público saturado, que continua a culpá-los pelos males recessivos. Em 13 de janeiro, os executivos-chefes dos quatro maiores bancos dos EUA foram criticados em audiências no Congresso por terem uma política de pagamentos fora de sintonia com o resto do país.
O governo de Barack Obama está canalizando esse populismo com propostas para regulamentar e taxar ainda mais os bancos. Por isso, a sabedoria prevalente em Wall Street é mostrar menos e não falar nada a respeito.
"Os banqueiros estão sendo aconselhados por seus patrões a serem cuidadosos", disse Janet Hanson, ex-executiva do Goldman Sachs e uma das fundadoras da 85 Broads, uma rede de mulheres profissionais. "Quero dizer: o que parece se você recebe um bônus de US$ 1 milhão do Goldman Sachs e fica exibindo por aí um novo Audi TT? As pessoas vão odiá-lo."
Poucos executivos de Wall Street e seus cônjuges contatados para esta reportagem se dispuseram a falar sobre como pretendem gastar ou investir os bônus, manifestando o temor com o escárnio do público, junto com o silêncio sobre as recompensas pessoais que os banqueiros habitualmente observam.
A mulher de um banqueiro disse, pedindo anonimato, que ela e outras do seu meio se sentem mais seguras financeiramente hoje em dia. "Há a sensação na comunidade de que o mundo não está acabando", afirmou. Para ela, executivos como seu marido trabalham duro e são injustamente apontados como gananciosos. "Todo o mundo quer alguém para culpar, e os ricos são um alvo fácil."
Ela e o marido querem usar os bônus para guardar dinheiro suficiente para a faculdade dos quatro filhos, mas também estão procurando uma casa de veraneio -talvez de alguém que se veja forçado a vender. "É uma boa hora para comprar", disse a mulher. Um amigo do casal, também executivo financeiro, recentemente adquiriu uma casa em Vermont, semanas antes de o imóvel ter sua hipoteca executada.
Os executivos de Wall Street buscam bons negócios, mas também querem discrição para si e suas novas posses. Um caso exemplar: a Manhattan Motorcars ofereceu em dezembro dois programas de leasing, cada um custando cerca de US$ 100 mil. O primeiro era o leasing de um ano de um Rolls-Royce Phantom Drophead Coupé, com descansos de cabeça bordados e capô de aço escovado. O segundo era o leasing de três anos de um Bentley Flying Spur ou um GT conversível, ambos mais discretos que o Rolls.
Brian Miller, dono da concessionária, disse que os Bentleys tiveram mais saída entre executivos de Wall Street, não por serem mais baratos, mas por chamarem menos a atenção. "Eles disseram que queriam baixar o tom da sua exposição e pegar algo mais sóbrio e tranquilo", disse Miller. "Disseram que mais tarde poderiam voltar para pegar algo chamativo."
Suzanne Johnson, gerente-geral da loja Saks da Quinta avenida, disse que muitos clientes ricos estão sofrendo com o que ela chama de "fadiga da frugalidade". Após um ano observando, estão prontos para se dar um presente. "Trata-se de uma autogratificação íntima, e não de deixar as pessoas saberem como você é rico", disse ela.
A primavera está chegando ao hemisfério Norte -e isso significa mais oportunidades para que financistas e seus cônjuges se recompensem: pinturas compradas em leilões, casas de veraneio e vestidos de seda para usar nas festas de gala da estação. Será que Wall Street vai se conter enquanto tenta recuperar sua imagem?
"Acho que será interessante ver quais casarões serão postos à venda ou quem comprará o primeiro grande colar", disse Lebenthal. "Mesmo quando ainda há tanta raiva populista."


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