São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

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O refúgio do relojoeiro

Por GISELA WILLIAMS
OFFENBURG, Alemanha - Há anos o artista de rua Stefan Strumbel, nascido e criado na pequena cidade de Offenburg, sudoeste alemão, se debate com a ideia de "Heimat" -palavra alemã que pode significar pátria ou identidade regional- e de como sua arte deve refleti-la. Essa, segundo ele, foi uma das razões pela qual parou de grafitar, há cinco anos, para se dedicar aos relógios de cuco.
"Durante muito tempo, depois de Hitler, os alemães não conseguiram ou não puderam reivindicar sua Heimat", afirmou Strumbel, 30, sentado numa surrada poltrona no seu apartamento de um dormitório. "Eu quis fazer uma pergunta, 'O que é Heimat?', e torná-la algo fresco, irônico e dinâmico."
"Quando eu fazia grafite, tratava-se de marcar meu território", prosseguiu. "Mas, então, comecei a pensar que o grafite em si era mais uma coisa de Nova York e que eu deveria fazer algo que fosse autêntico do lugar de onde eu vim, da Floresta Negra."
E o que poderia ser mais essencialmente alemão do que um relógio de cuco, pensou Strumbel, que começou a comprar relógios nas lojas locais para transformá-los em peças inspiradas na arte das ruas, com tinta spray.
Um ano depois, em 2006, ele já tinha uma exposição individual numa galeria local, mostrando os novos relógios, junto com alguns desenhos e murais. Foram os relógios, no entanto, que mais despertaram interesse, com vendas esgotadas. Logo depois, ele fez um acordo com a Anton Schneider & Sons, fabricante de cucos há seis gerações, para produzi-los.
Os relógios de Strumbel, baseados em modelos tradicionais, mas adornados com granadas e pistolas em vez de coelhos e galhadas, agora são vendidos na Galerie Springmann, em Freiburg, por preços de US$ 1.200 a US$ 35 mil cada um.
Sua popularidade pode ser atribuída à forma como eles captam o espírito da nova Alemanha, disse Mon Muellerschoen, curador independente em Munique. "Uma Alemanha que está ciente do seu passado, mas pronta para tomar caminhos novos, despreocupados e coloridos -uma Alemanha que pode aceitar seus clichês piscando um olho."
Mas, no apartamento de Strumbel, não há sinal dos relógios. Há, no entanto, uma ampla coleção de obras de artistas de rua contemporâneos. "Sempre que ganho dinheiro, gasto em arte", disse. "Quando estou em casa, não quero pensar em trabalho."
Sua exígua sala de estar está decorada com gravuras de Shepard Fairey, o designer gráfico e artista conhecido por ter concebido o cartaz "Hope", de Obama; com um autorretrato do artista alemão Jonathan Meese; e com gravuras do grafiteiro britânico Bansky e do artista de rua americano Swoon.
Strumbel encontrou o apartamento de 102m2, no terceiro andar de um edifício do século 19, há cerca de cinco anos. Quando raspou o papel que cobria uma das paredes da sala, a textura com entalhes grosseiros o remeteu às asperezas das fachadas dos edifícios de Berlim Oriental. Ele gostou tanto que deixou desse jeito.
"Meu objetivo é trazer um pouco da rua para a minha casa", disse Strumbel. "E algo da minha Heimat para as ruas."
Strumbel apontou uma peça feita por seu tio, "um artista que se matou antes de eu nascer", mostrando o tio criança, com o Pato Donald. "Dá para acreditar que tem mais de 40 anos?", disse ele. "Essa peça me inspira desde que eu era criança. Temos um senso de humor semelhante."


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