São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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Supercérebro à vista

Inteligência artificial volta a seduzir

JOHN MARKOFF
Mountain View, Califórnia

A noção de que um sistema computacional consciente surgiria espontaneamente pela conexão de bilhões de computadores e redes remonta pelo menos a "Disque F para Frankenstein".
Nesse premonitório conto de 1961, Arthur C. Clarke falava de uma rede telefônica que espontaneamente agia como um recém-nascido e provocava um caos global ao controlar sistemas financeiros, de transporte e militares.
Hoje, a inteligência artificial, que já foi domínio dos autores de ficção científica e de excêntricos prodígios da informática, está de volta à moda e recebendo séria atenção da Nasa (agência espacial dos EUA) e de empresas como o Google, além de companhias recém-criadas que projetam desde ferramentas de busca de nova geração até máquinas capazes de ouvir e perambular pelo mundo.
Tal respeitabilidade da inteligência artificial traz à tona novamente a questão de para onde a tecnologia deve ir, ou, talvez de modo ainda mais preocupante, se a inteligência dos computadores irá superar a nossa, e quando.
O conceito de computadores com uma inteligência sobre-humana foi batizado de "A Singularidade" em um texto de 1993 escrito pelo cientista da computação e escritor de ficção científica Vernor Vinge.
Ele argumentava que a aceleração do progresso tecnológico havia nos levado "à beira de uma mudança comparável à ascensão da vida humana na Terra". Essa tese há muito ressoa no Vale do Silício, na Califórnia, EUA.
A inteligência artificial já é usada para automatizar e substituir algumas funções humanas, com máquinas orientadas por computador que podem ver, ouvir, responder, aprender, inferir e resolver problemas. Mas, para os "singularitários", a inteligência artificial se refere às máquinas que serão autoconscientes e sobre-humanas em sua inteligência, capazes de projetarem computadores e robôs melhores, com mais rapidez que os humanos atualmente. Tal mudança, dizem eles, levaria a uma vasta aceleração das melhorias tecnológicas de todos os tipos.
A ideia não se limita a escritores de ficção científica: toda uma geração de hackers, engenheiros de computação e programadores passou a acreditar firmemente na possibilidade da mudança tecnológica exponencial conforme explicada por Gordon Moore, cofundador da fábrica de chips Intel.
Em 1965, Moore descreveu pela primeira vez a duplicação reiterada do número de transistores em chips de silício a cada nova geração tecnológica, o que levou a uma aceleração no poder computacional. Desde então, a Lei de Moore -uma descrição do ritmo da mudança industrial- passou a personificar um setor que vive de acordo com o tempo da internet, onde o "próximo grande acontecimento" está sempre por vir.
Raymond Kurzweil, pioneiro da inteligência artificial, levou a ideia um passo adiante em "The Singularity Is Near: When Humans Transcend Biology" ("A singularidade está próxima: quando os humanos transcendem a biologia", 2005). Ele buscou ampliar a Lei de Moore para que ela abranja mais do que apenas a capacidade de processamento e simultaneamente preveja, com grande precisão, a chegada da evolução pós-humana, o que segundo o autor irá ocorrer em 2045.
Para Kurzweil, a conjunção do rápido aumento do poder computacional com o surgimento de humanos "cyborgs" alcançaria então um nível em que a inteligência das máquinas não só superaria a humana, como também assumiria o processo inventivo, com consequências imprevisíveis.
O escritor de ficção científica Ken Mac-Leod descreveu a ideia da singularidade como "o êxtase dos nerds". Kevin Kelly, editor na revista "Wired", nota que "as pessoas que preveem um futuro muito utópico sempre preveem que ele acontecerá antes que elas morram".
Mas o próprio Kelly não se furta a especular sobre o rumo das comunicações e da informática. Ele está preparando um livro, "The Technium", em que prevê o surgimento de um cérebro global -a ideia de que os computadores interligados do planeta poderiam algum dia agir de forma coordenada e talvez exibir inteligência.
Outros que têm observado o crescente poder da tecnologia computacional são ainda menos otimistas com o futuro. William Joy, designer de computadores e investidor em empresas, por exemplo, escreveu em 2000 um artigo pessimista na "Wired" argumentando que os humanos têm mais chances de se destruírem com a sua tecnologia do que de criarem uma utopia. Joy, cofundador da empresa Sun Microsystems, ainda acredita nisso. "Eu não estava dizendo que seríamos suplantados por alguma coisa.
Acho uma catástrofe mais provável." Há, além disso, um acalorado debate sobre se tais máquinas poderiam ser as "máquinas de adorável graça" do poema de Richard Brautigan, ou algo mais sombrio, do gênero do filme "O Exterminador do Futuro".
"Vejo o debate sobre se deveríamos construir esses intelectos artificiais como se tornando a questão política dominante do século", disse Hugo de Garis, pesquisador da inteligência artificial e autor do livro "The Artilect War" ("A guerra da inteligência artificial"), onde ele argumenta que esse debate deve terminar em uma guerra global.


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