São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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Em defesa do bom senso no design

Por PENELOPE GREEN

O seu relacionamento com os móveis de sua casa não é um caso frugal de apenas uma noite, diz Ellen Lupton, curadora de design contemporâneo do Museu Nacional de Design Cooper-Hewitt, em Nova York: às vezes, ele dura pela vida toda.
Dito isto, a vida doméstica raramente é apenas sol e camas recém-arrumadas. Ela pode ser sombria e complicada. "As pessoas se matam", disse Lupton recentemente. "Elas têm casos. Elas roubam o dinheiro das outras. A vida doméstica é difícil. É importante mostrar seu lado obscuro. Eu gosto de ver coisas que sugiram tal complexidade."
Na Feira Internacional do Mobiliário Contemporâneo, em meados de maio, em Nova York, Lupton estava à caça dessa complexidade -um desafio num salão com tanto espaço dedicado às ofertas em couro branco de grandes moveleiros italianos.
Ela teve de vagar antes de avistar suas presas no estande da empresa britânica Thelermont Hupton. Ali havia facas vermelhas afundadas em uma parede (para serem usadas como cabide), câmeras de vigilância em cores primárias, com espelhos em vez de lentes, e xícaras brancas, de ponta cabeça, espalhadas sobre uma prateleira.
"O design realmente bom é um objeto que lhe faça pensar em como nos comportamos e nas nossas convenções sociais, mas que ainda assim realmente funcione", disse ela, pendurando sua bolsa em uma das facas e notando que as xícaras foram feitas para também ficar de pé e receber chá.
A Thelermont Hupton foi um dos 552 exibidores -sendo 212 deles estreantes- que vieram de lugares tão distantes como Austrália e Vietnã para a feira. "Não é um museu, é um bazar", disse Lupton. "Vou para ver o que está acontecendo no mundo do design comercial progressista. Gosto de percorrer as bordas, de ver as pessoas com um só produto. Acho isso simplesmente muito democrático nesse aspecto."
O design, diz ela, descreve mais do que a função e a estética de um objeto: é o pensamento crítico unido à ação, uma disciplina que pode informar como você arruma seus móveis, organiza seu tempo ou prepara uma apresentação de PowerPoint. "O design está em todos os lugares", disse ela. "Não é só compras."
Ela gosta de objetos que contenham ideias e histórias, e de móveis multifuncionais. É também fã da alquimia envolvida "quando as pessoas pegam um objeto genérico e familiar e o renovam", contou ela enquanto passava as mãos sobre a floresta de pinos que sustenta uma estante de bambu, desenhada por Michael Iannone.
Num estande de três designers do Brooklyn ela encontrou outro exemplo, um sofá com linhas limpas, de Doug Fanning, feito com uma estante sob as pernas para guardar coisas. "Ele pega uma forma clássica e adiciona funcionalidade", afirmou.
Lupton evitou a seção italiana, um espaço de exibições como uma tundra pontilhada por sofás de um branco glacial. O que isso significa? "Libertação do desejo?", sugeriu Lupton. "Quando você tem tudo que precisa, você arruma couro branco?"
Virando uma esquina havia uma pequena aglomeração em torno do ModKat, um "banheiro para gatos" em plástico brilhante. Parecia um equipamento de escritório, talvez um triturador de papéis mais estiloso. "Eles estudaram o comportamento dos gatinhos e trabalharam a partir daí", disse ela, referindo-se à propensão felina a saltar para dentro e para fora de locais fechados. "E ele se parece com o iPod das caixas de areia."
Em seu livro "Design Your Life: The Pleasures and Perils of Everyday Things" ("Desenhe sua vida: os prazeres e perigos das coisas cotidianas"), Lupton e sua irmã gêmea Julia mostram como o design pode influenciar o comportamento, a partir do fato de que a maioria dos dispositivos para papel higiênico desestimula a substituição dos rolos terminados.
As autoras sugerem o uso de uma simples barra horizontal com um dos lados livres, já que as barras presas por dois pinos parecem complicadas demais para o adolescente ou cônjuge.
"O bom design sempre tem a ver com a verdade", disse Lupton. Pode ser uma verdade difícil de digerir, como a de que o mundo vai mal, ou pequena, como a de que ninguém na família irá trocar o papel higiênico. E a maior de todas as verdades, sugeriu ela, é que a vida real é simplesmente divertida.
"Acho que nossas coisas deveriam refletir isso. Há muita ilusão no design, muito de superfície e de brincar com a realidade. Por isso gosto de coisas que têm senso de humor. Elas simplesmente parecem mais fiéis à vida."


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