São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

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INTELIGÊNCIA/YOANI SÁNCHEZ
Passos tímidos rumo ao capitalismo cubano

Havana
A entrada já não parece o lugar cinzento e empoeirado de um ano atrás. Hoje, as paredes estão pintadas, as vigas foram retocadas, e há um toldo listrado que chama a atenção. Três cartazes anunciam serviços diversos, e a combinação é divertida: barbearia, pizzaria e cartomante. Maritza, que serve "smoothies" e empanadas, disse em tom cauteloso: "Vamos ver quanto tempo dura. O governo pode mudar de ideia e nos fechar."
Maritza e sua família fazem parte do contingente de trabalhadores autônomos que emergiu em toda parte em Cuba, especialmente de um ano para cá. A maioria está dando passos tímidos, temerosa de demonstrar seu potencial. A cautela é a atitude mais presente entre os pequenos empreendedores em um país em que o Estado exerceu o monopólio da produção e dos serviços por tempo demais.
O capital financeiro também está começando a chegar, hesitante. Parte do dinheiro chega diante dos olhos atentos das instituições bancárias oficiais, mas o resto entra no país com a ajuda de mulas ou de parentes que vivem no exílio.
As restrições impostas às pequenas firmas privadas são muitas, e é essa a razão do ceticismo. Não existe mercado atacadista, e importar matérias-primas independentemente do Estado ou conseguir empréstimos de bancos é impossível. Os impostos altos esfriam o entusiasmo com a ideia de abrir um restaurante, café ou salão de beleza. "Sou obrigada a cobrar muito, mesmo para um corte simples", disse Luis, um barbeiro.
De acordo com dados divulgados pelo Escritório Nacional de Administração Tributária, 27 mil trabalhadores autônomos devolveram suas licenças no ano passado por não conseguirem pagar seus impostos. Apenas 31 mil pessoas trabalham no setor privado de Cuba. Mas o que preocupa as pessoas mais do que os impostos altos é não ter certeza de que o governo vá honrar seu compromisso com as firmas emergentes. Elas temem que o governo possa recuar e voltar à centralização e nacionalização, como fez no final dos anos 1990.
Devido à desconfiança, algo inerente aos cubanos, muitas pessoas enxergam o trabalho autônomo como uma ponte para a futura emigração. "Ganhar dinheiro para sair daqui", pensam milhares de pessoas nesta ilha comprida e estreita. Enquanto manufaturam pratos, produzem sorvete para vender em carrinhos ou fazem a barba de um cliente, seus pensamentos estão na Flórida. Até mesmo o anúncio de que será possível vender casas e carros é visto por muitos cubanos como uma ótima oportunidade para levantar dinheiro para custear a imigração.
Depois de décadas em que o mercado imobiliário foi proibido, o governo vai autorizar esse tipo de transação em uma sociedade na qual a posse ou não de um lugar para viver tornou-se o problema mais dramático. Com a legalização das transações imobiliárias, a previsão é que as cidades comecem a dividir-se em bairros marcados pelo poder de compra dos habitantes. O discurso político da igualdade social vai sofrer uma derrota com essa medida.
Outras restrições, contudo, permanecem como antes. É o caso dos obstáculos à entrada ou à saída do país, o direito à liberdade de reunião e à liberdade de expressar opiniões que contestem as do Partido Comunista.
A fórmula proposta por Raúl Castro para "aperfeiçoar" o sistema vem se mostrando demorada e restrita. A permanência de Castro na Presidência depende de sua capacidade de conservar o controle rígido sobre as mudanças. Enquanto isso, as vidas de 11 milhões ainda se conjugam com o verbo "aguardar". Muitas pessoas estão cansadas de esperar, fato que explica porque, segundo o Livro do Ano Estatístico, mais de 38 mil cubanos emigraram permanentemente em 2010. Nesse cenário, existem muitas dúvidas e poucas certezas. Talvez isso tenha levado ao fato de que, na entrada de um bairro de Havana, vende-se comida, cortam-se cabelos e lê-se o futuro. Mas nem as linhas nas palmas das mãos e as folhas de chá vão ajudar a prever o que vai acontecer -se esses produtos são o início de um setor empreendedor nativo ou se não passam de subterfúgio para que o governo possa comprar para si mais algumas décadas no poder.

Yoani Sánchez, que recebeu o prêmio Ortega e Gasset em 2008 pelo trabalho de jornalismo digital, tem o blog desdecuba.com/generaciony.
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