São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

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Crédito fácil é razão de endividamento dos latinos

Por ALEXEI BARRIONUEVO
SANTIAGO, Chile - Para Ana María Silva, o que começou com a compra de um perfume e dois pares de sapato virou um pesadelo envolvendo seu cartão de crédito, já que sua dívida foi multiplicada por dez em cinco anos -e não só por causa dos seus gastos.
Silva está entre os 418 mil chilenos que ficaram inadimplentes e tiveram suas dívidas reprogramadas pela rede varejista La Polar, que elevou os juros e ampliou os prazos de pagamentos sem o conhecimento dos devedores.
No começo de junho, surgiu a notícia de que a La Polar vinha unilateralmente renegociando dívidas há mais de seis anos, o que se tornou um dos maiores escândalos financeiros em 20 anos de boom econômico no país.
"Eu tenho parte da culpa por isso, mas essa empresa deveria ter sido mais digna e transparente", disse Silva, 30.
O escândalo mostra como os países sul-americanos -incluindo Chile e Brasil, duas das mais saudáveis economias da região- sofrem as dores do crescimento associadas à expansão do crédito.
O consumo a prazo impulsiona um abrangente crescimento econômico, mas também dá espaço a abusos, pois quem oferece o crédito usa técnicas predatórias para atrair clientes.
"Eles estão aprendendo todos os truques que foram aprendidos nos EUA para fazer dos cartões de crédito a parte mais valiosa do negócio bancário", disse Lewis Mandell, professor emérito da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo. "E, infelizmente, os problemas que isso causou nos EUA tendem a se repetir na América Latina."
O nível de endividamento em relação à renda familiar no Brasil e no Chile ainda é inferior ao dos EUA, mas vem crescendo rapidamente. No Brasil, onde os juros do cartão de crédito superam os 220% ao ano, entre os maiores do mundo, o nível de endividamento saltou de 22% da renda em 2006 para 40% em abril, segundo a LCA Consultores.
No Chile, onde o endividamento do consumidor cresceu 254% entre 2001 e 2008, a relação entre dívida e renda bateu nos 70% no final de 2010.
Como não existe no Chile uma lei de falência pessoal, inadimplente corre o risco de ser incluído nos cadastros das agências particulares de qualificação de crédito, que não estão submetidas a regulamentações.
A agência governamental chilena de defesa do consumidor abriu em junho uma ação coletiva em nome de cerca de 2.000 pessoas que se dizem fraudadas pela La Polar. Esse número já cresceu para 20 mil.
Altos executivos da rede pediram demissão depois disso, e a empresa afastou 11 gestores envolvidos com os crediários.
Enquanto isso, no Brasil, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro moveu, em julho, uma ação contra três dos maiores bancos do país, acusando-os de cobrarem mais de R$ 1 bilhão em tarifas ilegais entre 2008 e 2010.
A chilena Silva, uma professora que parou de trabalhar ao ter seu primeiro filho, em 2006, disse que foi preterida em vagas de emprego devido aos problemas de crédito com a La Polar, e que ela e o marido tiveram um pedido de financiamento imobiliário negado.
"Eu não acho que todo mundo entenda como esses cartões funcionam", disse ela.
"É uma tentação, e todos nós queremos um pouco mais em nossas vidas. Eu acho que as lojas estão contando com isso", completou.

Colaboraram com a matéria Pascale Bonnefoy e Aaron Nelsen


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