São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

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Gente alienada em constante movimento

Por DOROTHY SPEARS
VENICE, Califórnia - A vida no século 21 pode parecer uma sucessão infinita de controles de segurança, bagagens em esteiras e breves conversas eletrônicas. Pelo menos assim é para um viajante constante como o artista Doug Aitken, cuja nova vídeo-instalação, "Black Mirror" (espelho negro), explora a deslocalização e a alienação das pessoas em incessante movimento.
Encomendada pela Fundação Deste de Arte Contemporânea, de Atenas, para seu espaço de projetos na ilha de Hidra, a instalação é revestida com espelhos negros que refletem infinitamente o horripilante vídeo de Aitken.
Gravado em três continentes ao longo de um ano e meio, o vídeo usado em "Mirror" tenta fundir as topografias da Nicarágua, de Hong Kong, do sudoeste dos EUA e da Grécia em uma paisagem ficcional perfeita. "Gosto da ideia de pegar todas essas gravações de diferentes partes do mundo e comprimi-las para que tudo convirja num único espaço", afirmou ele.
"Black Mirror" apresenta a atriz e estilista Chloë Sevigny como uma andarilha sem nome, vagando por uma paisagem árida. Parando em quartos de hotel anônimos, ela tenta inutilmente se conectar, por telefone, e-mail ou mensagem de texto, com um alguém não identificado.
O projeto é "uma espécie de turbilhão ou um caleidoscópio em escala humana", disse Aitken, 43, em seu estúdio aqui na Califórnia.
"Quando você está dentro do espaço, pode estar em qualquer lugar do mundo", disse Sevigny, falando, por telefone, de Manchester, na Inglaterra. Sua personagem, segundo ela, "é uma mulher com a qual você pode cruzar a qualquer dia no aeroporto, com um guarda-roupa e um cabelo que podem ser de qualquer tempo ou lugar, já que não há absolutamente nada com que se identificar -a personagem é como uma tela em branco".
Telas em branco são uma especialidade de Aitken, criador de uma série de esculturas, fotos, vídeo imersivos e ambientes sonoros que tendem a propor mais perguntas do que respostas.
Uma sequência de "Black Mirror" coloca a personagem de Sevigny dirigindo por um deserto, enquanto ela entoa numa voz em "off": "De onde eu sou? De diferentes lugares". E também: "Como você se acostuma a se deslocar? Não se acostuma. Perdi a pista da informação." Aitken, cujo trabalho recentemente o levou da Grécia para o sul da França, tem sido uma espécie de queridinho do mundo artístico internacional desde 1999, quando seu grande trabalho em vídeo "Electric Earth" (terra eletrônica) ganhou o Prêmio Internacional da Bienal de Veneza.
Ele foi vago ao falar da sua infância em Redondo Beach, Califórnia, onde seus pais "faziam uma coisa ou outra". Com vinte e poucos anos, "meio que saltei sobre tudo", disse.
Ele se formou em ilustração de revistas no Art Center College of Design, em Pasadena (Califórnia), onde aprendeu, segundo contou, que "o poder de uma narrativa podia ser capturado em uma imagem".
Ao se mudar para Nova York, ele conheceu Andrea Zittel e Matthew Barney, artistas igualmente jovens que eram "realmente inquietos acerca de ideias e meios", disse.
Bancando-se com trabalhos comerciais, ele fez, em 1994, sua primeira exposição em Nova York, uma meditação audiovisual sobre a velocidade.
Suas obras já tiveram a participação dos atores Donald Sutherland e Tilda Swinton, do compositor e músico brasileiro Caetano Veloso, de Andre 3000, da dupla de hip-hop OutKast e do respeitado artista Ed Ruscha, de Los Angeles.
Há imagens recorrentes de outdoors em branco, antenas parabólicas, aviões, trapezistas, bateristas e sonâmbulos. E sua obsessão com velocidade e com o seu oposto permanece, seja no registro do frenético pregão de um leiloeiro rural, seja no rangente ruído geológico gravado dentro de um buraco de 1,6 quilômetro de profundidade em um parque de esculturas no Brasil.
Como grande parte da sua obra, "Black Mirror" se destina a assumir diferentes formas. Além da instalação (que permanece exposta até 25 de setembro), foi lançado um livro do artista e houve quatro versões ao vivo, encenadas em barcaças na Grécia.
Em cada local, Sevigny caminhava por um cenário de quarto de hotel, recitando frases num tom monótono e onírico: "De onde sou? De diferentes lugares. Onde eu cresci? Não sei dizer exatamente. Onde estou? Egito Noruega Iraque Alemanha Tailândia Camarões".
O trabalho também tem uma página na internet. A idéia é que a instalação e as apresentações na Grécia encontrem um espaço na consciência popular através de diversos meios eletrônicos, caindo nas mãos de pessoas que venham a retrabalhar o material.
"Estou realmente interessado em ver até onde isso pode ir", disse Aitken, "e quantas formas pode assumir".


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