São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2011

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ARTE & ESTILO

Saddam é só um vilão coadjuvante em filme

Por DAVID ROONEY
É difícil imaginar muitas narrativas em que Saddam Hussein possa surgir como um vilão coadjuvante. Em "The Devil's Double" (o dublê do diabo), ele é retratado como um homem que, pelo menos, agia de acordo com o seu estreito código de lealdade e com sua bússola ética distorcida, enquanto Uday, seu filho niilista, é o mal puro, sem amarras.
"Não estou dizendo que Saddam Hussein era um anjo", disse Latif Yahia, um ex-tenente do Exército iraquiano que foi introduzido à força no séquito do filho do presidente, e cuja história é contada no filme. "Mas, se você comparar Uday a Saddam, Saddam era absolutamente um anjo. Se alguém cometia um erro, Saddam, às vezes, podia perdoar. Uday nem sequer tinha no seu vocabulário uma palavra para o perdão. Mesmo se você não fizesse nada, ele podia torturá-lo ou tirar sarro de você."
São legendários os relatos sobre o comportamento aberrante do herdeiro primogênito do regime de Saddam, morto em 2003 em um tiroteio com as forças americanas. Baladeiro, cocainômano, fã de charutos robustos, de roupas extravagantes e de carros de luxo, Uday era uma metralhadora giratória, cujas façanhas sádicas incluíam rotineiramente torturar e prender atletas sob sua supervisão na equipe olímpica e nas seleções de futebol do Iraque. Sua natureza violenta e sexualmente predatória era igualmente notória, levando-o a tratar como um esporte o rapto, estupro e assassinato de jovens mulheres.
Dirigido por Lee Tamahori, "The Devil's Double", que estreia em 29 de julho em Nova York e Los Angeles e em 11 e 12 de agosto na Rússia, Irlanda e Grã-Bretanha, não poupa exemplos explícitos. Eles variam do meramente perverso -Uday exigindo que os convidados em uma festa de aniversário tirassem a roupa e dançassem -a incidentes mais horripilantes, como percorrer as ruas de Bagdá em um dos seus carros esportivos, caçando meninas colegiais ou levando uma noiva embora da sua festa de casamento.
Ao narrar a história de Uday por meio do terrível drama verídico de Yahia, "The Devil's Double" é assumidamente lúgubre. Graças à sua forte semelhança com Uday, Yahia foi forçado em 1987 a atuar como seu "fiday" (dublê de corpo). Recusar-se significaria uma sentença de morte para sua família. Ele passou por um retoque visual, por um curso intensivo de padrões de oratória e comportamento e por uma pequena cirurgia plástica. Fugiu do Iraque no final de 1991 e hoje vive na Europa.
O britânico Dominic Cooper interpreta ambos no filme. "Tudo o que eu li ou vi, tudo o que eu descobri que [Uday] fazia parte me levou a desprezar esse homem", afirmou Cooper. "Eu vi todas as imagens que consegui obter, e ele era sempre uma figura sinistra, pairando em segundo plano em festas, com o medo emanando das pessoas ao seu redor -um fio desencapado que poderia fazer qualquer coisa a qualquer momento."
Essa volatilidade é a chave para uma atuação caracterizada por mudanças imprevisíveis.
Cooper não se esquiva da loucura quase cômica de Uday, com seu sorriso cheio de dentes e seu apego sentimentaloide à mãe. Mas tampouco subestima a sinistra realidade de um egomaníaco propagando o caos e a carnificina impunemente.
Ele disse que achou importante encontrar um rasgo de vulnerabilidade a fim de humanizar o personagem.
"Acho que minha entrada nisso foi o fato de ele ter sido exposto à tortura quando menino", disse Cooper. "Ele testemunhou o relacionamento sem amor entre seus pais. A falta de respeito por parte do seu pai, que nunca lhe confiou recursos militares."
Embora Yahia reconheça que o filme é uma interpretação dos fatos, ele lhe atribui 70% a 80% de autenticidade histórica e diz que Tamahori capturou a essência do Iraque daquela época como uma sociedade administrada por verdadeiros bandidos.
"Mesmo a máfia no mundo todo tem justiça", disse Yahia. "Eles podem ser detidos pela lei, colocados na prisão, julgados num tribunal. No regime de Saddam, não havia nenhuma [outra] autoridade. Eles podiam fazer o que quisessem."


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