São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

Corrigindo a rota

Londres
Em seus primeiros dois anos como presidente, Barack Obama conseguiu gerar fúria semelhante tanto à esquerda quanto à direita do espectro político. De certa forma, é um feito notável, mas que não melhorou o humor americano e levou muita gente a se perguntar quem é esse hesitante presidente.
Eu também me faço essa pergunta. Ocorreu-me que, com Obama, podemos estar lidando com um enorme caso de projeção: uma nação abatida e cansada de guerras, projetando todo o seu frustrado idealismo em um candidato birracial que surgia praticamente do nada, apenas para perceber, depois do seu triunfo de 2008, que ele é menos um agente da mudança com convicções apaixonadas do que um cuidadoso calculista, inseguro a respeito das suas crenças.
Os ataques fáceis de Obama contra os "banqueiros gatos gordos" levam alguns executivos a questionarem se ele é realmente capitalista. A ideia de que o presidente é um socialista enrustido, contrário à iniciativa privada, se arraigou entre a direita, reforçada pelo fato de que Obama desdenha do mundo empresarial para se cercar principalmente de "gênios" supereficientes.
À esquerda, a fúria é igualmente pronunciada, pelo fato de que os arroubos populistas contra Wall Street não vieram acompanhados de punições a nenhum dos responsáveis pelo grande colapso: Richard Fuld e seus capatazes do Lehman Brothers, por exemplo, se evadiram com os bolsos forrados com centenas de milhões que eles pagaram a si mesmos antes da crise.
Muitas vezes é difícil saber, diante dos sinais ambíguos do presidente, se compra o argumento de que são necessários mais estímulos federais para derrubar o desemprego, ou se está mais preocupado com o deficit.
Diga o que quiser sobre o primeiro-ministro conservador da Grã-Bretanha, David Cameron, mas ele não deixa dúvidas de que equilibrar o orçamento é sua prioridade. As pessoas podem discordar, mas reconhecem sua liderança.
Como os americanos não têm realmente visto os EUA como uma liderança, Obama recebe pouco crédito pelo que já fez, o que inclui ter tirado a economia da beira do abismo, as tropas do Iraque e a reforma da saúde do ostracismo.
Também na política externa, Obama parece encalhado. Não conseguiu cumprir uma promessa solene -fechar a prisão de Guantánamo- e deve ao mundo uma explicação sobre isso, além dos assassinatos dirigidos no Paquistão e em outros lugares. Estes cresceram em número e constituem uma política não-declarada, cujas implicações precisam ser expostas.
Em nenhum lugar, as hesitações de Obama são mais evidentes do que no Afeganistão. A prolongada revisão política do conflito deixou uma impressão de incerteza entre aliados. No final, ficamos com um plano que alguns batizaram de Groucho Marx -"Olá, preciso ir andando!"-, com um breve reforço militar a ser revertido antes da eleição de 2012. Também no Oriente Médio, a política interna se sobrepôs à ousadia, resultando num equívoco e numa paralisia já familiar.
Parece faltar a Obama um gene político essencial. Ele é inteligente, curioso e imensamente dotado, mas com frequência parece se colocar numa posição arrogantemente distante das pessoas, uma impressão reforçada pela inclinação da sua cabeça quando fala.
Ele esquece os pequenos gestos que são lembrados pelas pessoas, que as unem e que forjam os consensos bipartidários dos quais falava antes de assumir o cargo. Um conselho para os próximos dois anos: presidente, envie essas notas de agradecimento e faça esses rápidos telefonemas que podem parecer insignificantes, mas contam.
Talvez a censura representada pelas eleições para o Congresso o faça corrigir o rumo. A ousadia caracterizou sua campanha; só ela irá reelegê-lo. Ele precisa revigorar sua equipe com gente que faz e não com pensadores. Precisa levar a sério o equilíbrio orçamentário: os americanos acabam compreendendo quando se cuida bem da casa. Ele precisa de uma política externa que reflita um mundo mudado e não um Congresso grosseiro.
Acima de tudo, Obama faria bem se recordasse as palavras do colunista Jonathan Alter, da "Newsweek": "A lógica pode convencer, mas só a emoção pode motivar".


Envie comentários para intelligence@nytimes.com.



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