São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

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As lições do aço

Uma nova era para a indústria automotiva

Shel Hersshor/Hulton Arquivo - Getty Images
Aço fundido em siderúrgica do Texas, em 1967, antes de o setor pedir socorro


DAVID STREITFELD
ENSAIO

Há poucos anos, um setor cuja história e mitologia eram parte indelével da identidade americana estava morrendo. As grandes siderúrgicas da Pensilvânia e do Meio Oeste haviam literalmente construído os EUA, mas a concorrência e problemas auto-infligidos as haviam deixado à beira da extinção.
Se afundassem, alegavam seus partidários, haveria repercussões em toda a economia, a um custo altíssimo demais. O velho ditado “Aonde o aço vai, a nação vai atrás” era tanto uma ameaça quanto um trunfo.
As fábricas de automóveis, tradicionais símbolos nacionais de força econômica, usam agora o mesmo argumento para pedir ajuda a governos de vários países. A Alemanha está avaliando uma solicitação da Opel, subsidiária local da GM, para garantias de crédito no valor de € 1 bilhão. Na China, a desaceleração nas vendas de veículos levou executivos do setor a também pedirem socorro ao governo (pág. 2). E, em Detroit, as montadoras querem que o Congresso libere um pacote de US$ 25 bilhões.
“O que acontece no setor automotivo afeta cada um de nós”, declara o site da General Motors, alertando que as conseqüências de uma paralisação seriam “devastadoras”.
Mas, para o setor siderúrgico americano, a salvação acabou vindo daquilo que ele tanto tentou evitar: a falência. Só quando quebraram as empresas ficaram reequipadas para se tornarem empreendimentos menores, porém lucrativos. Enquanto prossegue o debate sobre a eventual ajuda à indústria automobilística, o setor siderúrgico pode servir de modelo.
Ambos os setores exigem muito capital, tiveram seu auge há meio século e vivem crises intermitentes desde então.
Ambos ampliaram benefícios trabalhistas e assim garantiram a paz com os respectivos sindicatos, embora isso acabasse por lhes deixar de mãos atadas. Em ambos, havia sucessivas camadas de executivos bem estabelecidos que acreditavam —apesar das evidências em contrário— que poderiam evitar mudanças.
A siderurgia começou a sua queda quando procurou ajuda em Washington, na década de 1970. O governo Carter ofereceu US$ 300 milhões em garantias de crédito para cinco empresas. Quase um terço da verba beneficiou a Wisconsin Steel, que existia desde o século 19, mas quebrou de repente por causa de uma greve.
Apesar desse fiasco, os sucessores de Jimmy Carter tentaram atender aos pedidos de socorro. Em 1984, Ronald Reagan impôs quotas de importação para conter a maré de preços baixos do aço estrangeiro. Em 1999, Bill Clinton deu garantias de US$ 1 bilhão para empréstimos a siderúrgicas combalidas e, no ano seguinte, impôs tarifas punitivas a parte das importações.
Nunca foi o suficiente. A Bethlehem Steel, que havia fornecido aço para a barragem Hoover, o edifício Chrysler e a ponte George Washington, em Nova York, entrou com pedido de falência em outubro de 2001. Em seguida ocorreu o mesmo com as siderúrgicas National, Weirton, Georgetown e muitas outras. A dor foi grande.
E necessária, segundo alguns. “Mesmo se as siderúrgicas tivessem obtido tudo o que queriam, jamais teriam melhorado”, disse Richard Fruehan, diretor do Estudo Sloan sobre a Competitividade do Setor Siderúrgico. “As falências as obrigaram a uma definição.”
Durante décadas, as empresas cortaram empregados para sobreviver. Logo o número de aposentados superava muito o de operários, e sempre com boas pensões e planos de saúde. Na Bethlehem, essa proporção era de seis para um.
O processo de falência e recuperação judicial mudava as regras, permitindo que as siderúrgicas privassem mais de 200 mil trabalhadores da assistência médica que supunham estar garantida. As falências também permitiram uma renegociação dos contratos com os funcionários, algo que Wilbur Ross, especialista em empresas em crise, percebeu quando voltou seus olhos para esse setor moribundo. Único interessado na falida LTV Steel, ele também comprou a Bethlehem e outras empresas tradicionais, juntando-as sob o International Steel Group. Cortou mais empregos e alterou regras trabalhistas.
A guinada do grupo foi dramática. As 17 principais empresas passaram de um prejuízo conjunto de US$ 1,1 bilhão em 2003 para um lucro líquido de U$$ 6,6 bilhões em 2004, segundo análise de uma entidade setorial. Em 2005, Ross vendeu a International Steel por US$ 4,5 bilhões para o indiano Lakshmi Mittal e obteve lucro.
Graças a tantas tribulações e consolidações, o setor siderúrgico dos EUA está relativamente saudável. Quem dera as montadoras chegassem a esse estágio. Numa eventual recuperação judicial da GM, as linhas de produção seriam reduzidas, a administração seria substituída e os investidores ficariam zerados. Os enormes gastos com os seus aposentados seriam transferidos. Seria doloroso, assim como foi com o aço, mas ao final alguém poderia vir recolher os pedaços. Talvez seja alguma fábrica estrangeira; talvez seja um especialista em empresas quebradas, como Wilbur Ross.
Só que Ross é a favor de que o governo resgate a GM. Ele não contesta que as montadoras estão tão inchadas quanto as siderúrgicas estiveram, e certamente não acha que elas mereçam um cheque em branco. Mas considera que as conseqüências do que ele chama de falência em queda livre —quando o governo não intervém— poderiam ser desastrosas. A GM arrastaria centenas de fornecedores consigo, e todos teriam dificuldades em se recuperar.
“A falência seria uma confusão e pode afinal não produzir nada de valor”, disse Ross, que prefere um empréstimo governamental de 90 dias para manter a GM à tona, sob a condição de que todos os interessados —empregados, executivos e acionistas— aceitem uma reestruturação.
Isso, entretanto, daria ao governo a responsabilidade final pela morte da GM, caso ela venha a ocorrer. “O governo teria de ter a coragem de dizer: ‘Não vamos continuar injetando dinheiro’ e cumprir”, disse Ross.

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