São Paulo, segunda-feira, 01 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LENTE

Mais do que simples palavras

Boa parte de nosso tempo é passado de uma tela a outra: do computador ao celular, da televisão ao cinema, do GPS ao tocador de música. Como escreveu Kevin Kelly na “The New York Times Magazine”, “estamos na metade de uma segunda mudança de Gutenberg —da fluência nos livros para a fluência nas telas, do hábito da leitura ao hábito da visualização”.
Durante muito tempo os críticos avisaram que as mídias eletrônicas acabariam com a leitura, mas o que elas parecem estar fazendo é redefinir o significado da leitura. Um livro não é mais apenas um livro, e o ato de ler passou por uma metamorfose —de folhear capítulos, passou a ser clicar de link em link.
“Precisamos nos perguntar ‘o que é exatamente a leitura?’”, disse Jack Martin, diretor assistente de programas para adultos jovens na Biblioteca Pública de Nova York, ao “New York Times”. “A leitura não é mais feita apenas do modo tradicional, lendo palavras escritas sobre uma folha de papel.”
Para os mais jovens, a experiência da leitura é coletiva. O adolescente Zachary Simms, de Connecticut, disse ao jornal que costuma ler artigos em até cem web sites. “A Web é mais uma conversa”, disse ele. “Os livros são uma coisa mais de mão única.”
Para alguns, enquanto as crianças lêem online, elas aprendem a fazer pesquisas e a interpretar vídeos e imagens. No próximo ano, mais de 50 países vão testar essas habilidades, ao incluir um elemento eletrônico nos exames de avaliação de leitura, matemática e ciências.
Se sentar-se com um livro parece exigir tempo demais, que tal atrair leitores com um videogame? Foi o que fez PJ Haarsma quando escreveu um romance de ficção científica. “Não dá mais para simplesmente escrever um livro”, disse ele ao “Times”. Outros escritores, professores e bibliotecários estão recorrendo a videogames ou a jogos de internet para despertar nos jovens o interesse pelos livros.
Interessados ou não, os estudantes universitários com freqüência precisam comprar livros didáticos caros. Alguns começaram a scanear os livros e oferecê-los para download gratuito em sites de partilha de arquivos como PirateBay.org. A empresa, com sede na Suécia, pode criar problemas para muitas editoras de livros didáticos.
R. Preston McAffee, professor de economia no Instituto de Tecnologia da Califórnia, disponibilizou seu livro online, abrindo a possibilidade de que, com o tempo, todos os livros didáticos acabem migrando para a internet. “Temos muitos conhecimentos, mas não os estamos transmitindo”, disse McAffee.
Um laboratório do Massachusetts Institute of Technology está analisando as informações que são divulgadas. David Kirkpatrick, fundador do Centro de Contagem de Histórias do Futuro, acredita que a capacidade de Hollywood de contar uma história que tenha significado foi prejudicada pelas mensagens de texto e o Twitter. O centro prevê que o arco dramático tradicional das histórias vai enfrentar problemas. Mas a lógica linear do livro —produto da máquina de imprimir que foi definido por contadores de histórias, de Homero a Shakespeare e a García Márquez— pode já ter deixado de existir. Em meio às muitas caras da internet, nada é tão autocontido quanto um livro.
Rand J. Spiro, professor de psicologia educacional na Universidade Michigan State, disse que os jovens “não se preocupam tanto com textos que não seguem numa linha. Isso é uma coisa boa, já que o mundo não segue numa linha, nem é organizado em compartimentos ou capítulos separados”.

Texto Anterior: As lições do aço
Próximo Texto: General Motors aposta seu futuro numa custosa máquina elétrica
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.