São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2009

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Ciência & Tecnologia

No pós-crise, poder de recuperação nos protege


Após uma tragédia, a maioria consegue dar a volta por cima

BENEDICT CAREY
Ensaio

Depois de ver sua empresa produtora de madeira cair aos pedaços, literalmente diante de seus olhos, o narrador do filme “Zorba, o Grego”, de 1964, abaixa a cabeça por alguns momentos. Então ele se volta a seu amigo e faz um pedido simples: “Você me ensinaria a dançar, Zorba?”
Nos últimos meses, três empresários europeus de destaque tiveram uma reação mais ou menos oposta a suas crises econômicas próprias. Um financista de Londres atirou-se diante de um trem em setembro. Dois meses depois, um aristocrata francês ligado a Bernard Madoff (financista acusado de operar um esquema de pirâmide de US$ 50 bilhões) apunhalou-se em seu escritório em Manhattan. E, no início de janeiro, o corpo de um industrial alemão foi encontrado ao lado de uma trilha de trem próxima a sua casa. Os três casos foram considerados suicídios.
As reações das pessoas às perdas podem diferir tremendamente. E a profundidade do colapso econômico atual vem destituindo milhares de pessoas de muito mais do que dinheiro: reputações foram perdidas, amizades azedaram, famílias se fragmentaram.
Apesar disso, especialistas dizem que a onda recente de suicídios, apesar de inegavelmente triste, não representa mais que casos isolados de tragédia pessoal. A imensa maioria das pessoas consegue —e às vezes o faz— superar humilhações e perdas sem sofrer feridas psicológicas. Para isso, as pessoas se valem de recursos que mal sabiam que possuíam.
“A questão fundamental é que a maioria das pessoas tem grande poder de recuperação, e nós já demonstramos isso em estudos de uma grande variedade de eventos —a perda de um cônjuge, de um casamento, ou até mesmo de uma função corporal”, disse George Bonnano, professor de psicologia na Universidade Columbia, em Nova York.
Num estudo recém-concluído feito com 16 mil pessoas que foram acompanhadas por boa parte de suas vidas, Bonnano, juntamente com Anthony Mancini, também da Universidade Columbia, e Andrew Clark, da Escola Paris de Economia, constataram que cerca de 60% das pessoas cujo cônjuge morreu não apresentaram mudanças significativas no bem-estar que relataram. Entre as pessoas que se divorciaram, mais de 70% não demonstraram modificações em sua saúde mental.
Muitas pessoas no estudo que sofreram dificuldades sérias acabaram recuperando-se psicologicamente, dependendo da perda, com o passar do tempo.
Além disso, em qualquer grupo de pessoas sempre haverá algumas que são excepcionais, que encontram alguma libertação ou oportunidade perdida numa perda aparentemente devastadora —uma espécie de reação ao estilo Zorba.
Em um estudo feito no Reino Unido, psicólogos encontraram um pedreiro que, depois de ficar paraplégico, tornou-se acadêmico e hoje afirma que o problema físico que sofreu foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida. Outras pesquisas registram melhoras significativas nas vidas de algumas pessoas depois de perderem uma pessoa amada.
Se alguns executivos de Wall Street aparentam curiosa indiferença ao ultraje público (seria o caso de Madoff?), é provável que estejam recorrendo às mesmas habilidades psicológicas que lhes permitiram passar por crises anteriores, quer tenham sido um divórcio ou a morte de uma pessoa amiga. A capacidade de ignorar uma nuvem ameaçadora e concentrar-se no que precisa ser feito hoje —ou seja, de “compartimentar”— é uma habilidade psicológica necessária a médicos, soldados e outros para conseguirem fazer seus trabalhos. É uma exigência absoluta para qualquer investidor de alto nível ou corretor de ações sério.
Nos Estados Unidos, onde a reinvenção é vista como algo a que todos têm direito natural, um certo tipo de perda —especialmente uma perda “de papel”, por exemplo uma perda de valor líquido, em lugar da perda de uma vida insubstituível— pode até parecer um convite para fazer algo melhor.
Ou, como no caso de pessoas que, como Madoff, vinham supostamente vivendo uma vida secreta e traiçoeira, ela pode proporcionar algo ainda mais precioso: alívio.
“Poderíamos imaginar”, disse Bonnano, “que alguém nessa posição ficaria quase feliz em ser libertado do fardo de viver dessa maneira”.


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