São Paulo, segunda-feira, 02 de março de 2009

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Por falar naquele bônus...

ANÁLISE

Mercado teme fuga de cérebros enquanto caem os salários

Devemos temer a perda dos talentos que criaram esta confusão?

Por DAVID GILLEN

Em Wall Street, o pessoal das finanças reclama que os maiores salários do ramo estão sendo cortados. Para muitos, isso pode ser desastroso. As melhores mentes financeiras acabarão indo embora, dizem, levando sua sabedoria no exato momento em que ela é mais necessária para reformular as companhias e recuperar a economia.
Mas essa fuga de cérebros é real, ou só uma autojustificativa? E, de qualquer modo, teria muita importância?
Há bons motivos para se pagar bem a um executivo-chefe. As decisões tomadas pelos CEOs são tão cruciais para as empresas que a prioridade deve ser contratar pessoas competentes, em vez de regatear o salário.
Mas é difícil afirmar que os executivos de Wall Street estavam fazendo o melhor trabalho de suas vidas. Muita gente inteligente nesse negócio fez muitas coisas idiotas. Os corretores assumiram riscos malucos com investimentos duvidosos em hipotecas e, por sua loucura, receberam bônus de sete dígitos. Seus chefes, também esperando grandes recompensas, ignoraram todos os perigos. E os chefes dos chefes, as pessoas que realmente dirigem as companhias, nunca entenderam muito bem isso tudo. Desde que os lucros continuassem entrando, todos ganhavam.
Até que pararam de ganhar, claro.
John Gutfreund, que dirigiu o banco de investimentos Solomon Brothers na década de 1980, diz que muitos executivos de Wall Street estão apenas choramingando. Eles se acostumaram com os honorários gigantescos que embolsavam nos bons tempos e não querem perdê-los.
"As pessoas ficaram mimadas", diz Gutfreund. Quanto à fuga de cérebros, ele diz que é improvável. "Sempre há outros subindo a escada."
A lei de estímulo assinada recentemente limita os salários exagerados nas empresas que receberam grande volume de dinheiro dos contribuintes. Enquanto advogados e consultores de indenizações já estão procurando brechas, o tempo dos salários incríveis para executivos parece ter terminado por enquanto. Os executivos-juniores têm sua própria preocupação: que a limitação de honorários nos níveis mais altos deprima os pagamentos em toda a escala.
Isso é difícil de aceitar em um setor em que os principais produtores podem ganhar US$ 30 milhões por ano. A menos que você tenha trabalhado em Wall Street, é difícil compreender o espaço psíquico que o salário ocupa lá -tanto o seu próprio quanto em comparação com o dos colegas.
Em todo o mundo, os bancos perderam mais de US$ 1 trilhão desde meados de 2007. Alguns especialistas dizem que os prejuízos totais poderão triplicar antes que a crise termine. Dezenas de milhares de banqueiros e corretores perderam os empregos.
Por isso, currículos são enviados para toda Wall Street. O recrutador Gustavo Dolfino diz que, em tempos áureos, cerca de 30 banqueiros e corretores o contatavam por semana, procurando empregos. Hoje são 300.
Há pessoas sondando novos empregos em fundos de investimentos, escritórios de aquisições corporativas, bancos-butiques e empresas novatas. Outras estão partindo para Londres ou Cingapura.
Executivos de bancos e recrutadores dizem que os financistas talentosos -os motivados, comunicativos, ligeiramente impiedosos, com um dom sobrenatural para ganhar dinheiro- têm sempre grande demanda. Mas, diante do tumulto no setor, hoje é um mercado para compradores.
Afinal, foram muitos desses talentos caros que causaram os problemas. Se alguns deles forem embora, talvez outros profissionais mais criativos assumam seus lugares e construam algo mais duradouro.
"Poderíamos ficar com quem realmente gosta de finanças e perder os que vieram apenas pelo dinheiro", diz David Resnick, codiretor de investimentos no Rothschild nos EUA.


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