São Paulo, segunda-feira, 02 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por falar naquele bônus...

Cresce o clamor para que executivos devolvam seus lucros

Por GRETCHEN MORGENSON

Será que os executivos deveriam poder conservar sua remuneração generosa quando os lucros que a geraram desapareceram como fumaça no ar?
À medida que a crise se aprofunda, uma pergunta que poderia ser meramente filosófica tornou-se o tema do momento. Com os prejuízos se acumulando nas maiores instituições financeiras dos EUA, anos de ganhos foram apagados, investidores perderam bilhões, milhares de funcionários perderam seus empregos, e os contribuintes foram convocados a resgatar o sistema financeiro. Mas os executivos que ajudaram a colocar os problemas em andamento ou que os ignoraram estão se saindo bem, ainda que humilhados.
Desde 2005, segundo análise feita ao "New York Times", os executivos de sete grandes instituições financeiras que desabaram, foram vendidas a preços baixos ou estão profundamente endividadas receberam US$ 464 milhões em pagamento por sua performance.
Entretanto, essas empresas relataram perdas de US$ 107 bilhões desde 2007. E US$740 bilhões em valor de mercado acionário foram perdidos desde que as ações dessas empresas chegaram a seu pico, em 2007.
Ante esse pano de fundo, um coro crescente de vozes vem exigindo que a remuneração que os executivos conseguiram pouco antes de os problemas emergirem seja devolvida.
"Há uma linha que separa a remuneração justa daquilo que é roubado dos acionistas", disse Frederick Rowe, gerente financeiro em Dallas e fundador do grupo sem fins lucrativos Investidores em Favor da Responsabilidade dos Diretores. "Quando a direção de uma empresa ignora essa linha ou não a enxerga, então, sim, o correto é exigir que ela devolva o dinheiro."
As empresas que pagavam abundantemente a seus executivos quase sempre justificavam os pacotes de remuneração, dizendo que incentivavam uma performance superior dos executivos. Mas hoje, com a forte reação pública contra os pagamentos excessivos e o resgate dado a empresas endividadas, a ideia de recuperar os pagamentos vem ganhando apoio.
Não há nos EUA nenhum mecanismo legal para a reapropriação de pagamentos passados, de modo que esforços desse tipo requereriam uma nova legislação.
No passado, reapropriações desse tipo normalmente só eram cogitadas em casos de fraude ou irregularidades contábeis. Agora, acionistas querem o dinheiro de volta nos casos em que os pagamentos altos incentivaram comportamentos perigosamente arriscados e foram baseados em lucros que desapareceram mais tarde.
As sete empresas problemáticas cujos executivos receberam quase US$ 500 milhões em bônus por performance desde 2005 são AIG, Bear Stearns, Citigroup, Countrywide Financial, Lehman Brothers, Merrill Lynch e Washington Mutual. A firma de pesquisas sobre remuneração Equilar fez para o "New York Times" uma análise dos pagamentos e ganhos de executivos nestas empresas e em outras.
Os analistas dizem que 2005 é um marco útil porque a concessão de empréstimos dúbios começou a proliferar no país nesse ano, quando ativos podres começaram a acumular-se em bancos e outras firmas.
Muitos dos executivos-chefes que dirigiam instituições financeiras com problemas abandonaram as companhias. E várias das empresas que a Equilar estudou já deixaram de ser independentes. Merrill, Countrywide, Bear Stearns e Washington Mutual foram absorvidos por concorrentes, e o Lehman quebrou.
Na tentativa de adiantar-se às reações, alguns executivos vêm recusando bônus e limitando seus salários. Vikram Pandit, executivo-chefe do Citigroup, disse recentemente que receberia um salário de US$ 1 e não aceitaria bônus até seu banco voltar a dar lucros. Ele não recebeu remuneração por performance desde que foi promovido ao cargo mais alto no Citigroup, no final de 2007, embora tenha ganho US$ 3,1 milhões de salário nesse ano.
As sete companhias destacadas no estudo da Equilar não são as únicas financeiras com resultados recentes lamentáveis. Mesmo empresas que conseguiram lucro -Wells Fargo, Morgan Stanley e Bank of America são três exemplos- vêm recebendo ajuda dos contribuintes. Também seus executivos enfrentam acionistas revoltados com a perda de valor das ações.
Apesar disso, são raras as recuperações de pagamentos feitos.
"Acho que é possível contar nos dedos das mãos o número de devoluções voluntárias ou involuntárias de remuneração de executivos", disse Paul Hodgson, pesquisador-sênior da Corporate Library, firma de pesquisas sobre governança corporativa. "Mais empresas vêm introduzindo dispositivos que permitam a recuperação, mas instituir os dispositivos e recuperar o dinheiro pago são duas coisas diferentes."
Com a temporada anual de reuniões de acionistas se aproximando, a expectativa, dizem analistas, é que a remuneração dos executivos vire uma questão ainda mais contenciosa.
"Pacotes de remuneração mal estruturados incentivaram a mentalidade do enriquecimento rápido e o comportamento de risco excessivo, que ajudaram a colocar os mercados financeiros de joelhos", disse Amy Borrus, vice-diretora do Conselho de Investidores Institucionais. "Apesar disso, muitos desses executivos-chefes embolsaram valores enormes."
Brian Foley, consultor independente de remuneração em Nova York, disse que os conselhos de direção devem recuperar as contribuições às pensões de executivos baseadas na performance, porque esses pagamentos também estavam vinculados a lucros que podem ter tido vida curta.
"Se esses sujeitos acumularam dinheiro durante anos em que ganhos não foram ganhos de fato, por que suas pensões não devem ser tomadas de volta?", perguntou.


Texto Anterior: Mercado teme fuga de cérebros enquanto caem os salários
Próximo Texto: O amor é hoje menos esplendoroso
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.