São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Exilados usam internet para participar da revolta síria

Por ANTHONY SHADID

BEIRUTE, Líbano - No dia mais sangrento da insurreição da Síria, os dedos de Rami Nakhle corriam sobre o teclado numa sala cujo silêncio só era quebrado pelos constantes boletins noticiosos da Al Jazeera.
Com o desenrolar dos acontecimentos de 22 de abril, nomes de usuários piscavam e sumiam na tela de seu computador. O Twitter trazia conclamações e insultos. Por Skype, Gmail e Facebook, Nakhle participava do círculo de exilados sírios que fomentam, relatam e -o que é mais notável- conferem uma imagem à rebelião contra o regime de Bashar Assad.
"Você está ouvindo?", gritou Nakhle, apontando um vídeo com gritos pela queda do governo. "Isso é a Síria, cara! Inacreditável."
Ao contrário das revoltas no Egito, na Tunísia e até na Líbia, que foram televisionadas para o mundo todo, a rebelião da Síria se distingue pelo poder de uma autointitulada vanguarda no exterior para transmitir imagens e notícias que, embora incompletas, são anárquicas e esclarecedoras.
Esse pequeno número de ativistas conseguiu contrabandear para dentro da Síria centenas de modems, laptops, câmeras e telefones celulares e por satélite. Lá, seus compatriotas driblam a vigilância com softwares enviados por e-mail e carregam vídeos por conexões discadas de internet.
O trabalho deles garante algo que outrora seria impossível.
Em 1982, o governo sírio pôde esconder durante algum tempo o massacre de pelo menos 10 mil pessoas em Hama, na brutal repressão a uma revolta islâmica. Mas, em 23 de abril, o mundo pôde testemunhar os gritos de ódio e o choro pelas vítimas, enquanto as forças de segurança disparavam contra os funerais de pessoas mortas na véspera.
"Esses ativistas reviraram quase inteiramente o equilíbrio de poder no regime, e tudo isso se deve às mídias sociais", disse Joshua Landis, professor de estudos do Oriente Médio na Universidade de Oklahoma.
Mas, embora poucos questionem a dimensão do levante, há divergências quanto à sua profundidade nas diversas cidades. Ativistas cibernéticos fora da Síria criam slogans de unidade para uma revolta que o governo insiste em atribuir a militantes islâmicos. Os relatos contrabandeados para o exterior sufocam os sentimentos dos partidários do presidente.
Nakhle, 28, trocou em 2006 sua cidade natal por Damasco, onde descobriu a internet. Em dezembro passado, a polícia secreta estava perseguindo-o.
Contrabandistas em motos o levaram para a fronteira, onde ele escapou por pouco da polícia e passou a noite em um vale rochoso, antes de conseguir chegar a um bairro tradicional proletário aqui de Beirute.
Enquanto Nakhle navegava por um mar de informações em 22 de abril -uma frenética conversa por Skype com 15 pessoas na Síria, um fragmento de vídeo de Tartus, um telefonema de um amigo em Damasco- alguém que ele acredita ser um agente da polícia secreta lançou uma mensagem: "Há notícias de que um parente seu foi levado pelos serviços de segurança". Nakhle trocou o chip do seu celular e ligou para casa. A notícia era falsa.
Nakhle é parte de uma rede cujos membros incluem uma sírio-americana de Chicago, que disse ter se cansado de ficar simplesmente assistindo à Al Jazeera, e Ausama Monajed, um ativista nascido em Damasco e radicado em Londres, que dirige com seu laptop aberto no banco do passageiro, conectado à internet e executando um software que transforma fala em texto.
Monajed estima que 18 a 20 pessoas estejam envolvidas na coordenação e cobertura dos protestos em tempo integral. Ele tem um contato em cada província da Síria, os quais por sua vez têm suas redes de dez pessoas.
Após testemunhar o sucesso do governo egípcio em derrubar a internet e redes de telefonia celular em janeiro, os ativistas se organizaram para driblar uma manobra similar, distribuindo modems e telefones por satélite em toda a Síria. Uma página do Facebook chamada Revolução Síria, administrada no exterior, virou o palanque da revolta.
Mas a capacidade sem precedentes dos ativistas para moldar a mensagem à distância incomoda Camille Otrakji, blogueiro político sírio que vive no Canadá. Ele argumenta que a narrativa dos ativistas esconde uma revolta mais sectária do que nacional e surda aos temores das minorias.
"Eu chamo isso de indução ao erro", disse Otrakji. "É como colocar na embalagem de um produto algo que não tem nada a ver com o que está dentro. Isso tudo está sendo manipulado."
Colaboraram Mona El-Naggar, reportagem de Nova York, e um funcionário do jornal "The New York Times" em Damasco


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