São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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ENSAIO

Pouca fé na reforma cubana

RANDAL C. ARCHIBOLD

HAVANA - Há meses, os cubanos ouvem uma avaliação atipicamente crua de seu futuro, feita por ninguém menos que seu presidente, Raúl Castro.
Eles não trabalham o suficiente e vivem com demasiada ajuda do Estado, disse Castro. A economia se baseia em uma matemática impraticável em que dois mais dois "são seis ou oito", como ele disse em um discurso. E a liderança não formou a jovem geração para assumir o poder, deixando o escalão superior do partido dominado por baluartes da revolução que têm até 87 anos.
Isso terminou, prometeu Castro, ao promover uma bateria de mudanças, expandir enormemente as pequenas empresas e, pela primeira vez desde a revolução de 1959, permitir que os cubanos comprem e vendam residências particulares, coisa que hoje só é feita através de movimentado mercado subterrâneo.
Os cubanos parecem ambivalentes e até céticos de que os ventos de mudança possam modificar a ilha.
"Temos um modo de fazer mudanças e deixar tudo igual no fim", disse Johan Rodríguez, 22, que complementa seu salário de contador público vendendo bugigangas na rua. "O problema básico é que não temos dinheiro. Espero que o que eles estão discutindo modifique isso."
Raúl Castro, 79, evitou constantemente usar algo parecido com a palavra "capitalismo" para discutir a nova plataforma econômica. Mas se mostrou capaz de diagnosticar a precária condição da economia, advertindo que Cuba não pode mais suportar funcionários públicos que pouco fazem por seus salários e até sugerindo que vá eliminar as cadernetas de rações, que oferecem alimentos e outras necessidades por preços subsidiados.
"Como vamos pagar pela comida?", disse outro jovem cubano, um engenheiro de 36 anos que não quis que seu nome fosse publicado por temer que seus comentários parecessem críticos demais ao governo. "Eles vão ter de baixar muito os preços dos alimentos para que as pessoas não passem fome. E isso tudo parece rápido demais."
Ainda assim, Castro não tem sido um reformista radical, como sugerem seus discursos. Recentemente, ele recuou nos planos anunciados de demitir 500 mil funcionários públicos, adiando os cortes indefinidamente. E, embora tenha sugerido aos líderes como ele mesmo que não sirvam mais de dois mandatos consecutivos de cinco anos, também se queixou de que a geração mais jovem está mal preparada para assumir os altos cargos.
Castro, recentemente, indicou um veterano do partido, José Ramón Machado, 80, que combateu ao seu lado nas montanhas durante a revolução, para ocupar o segundo cargo no Partido Comunista.
Entretanto, nomeou várias pessoas com menos de 70 anos para o Comitê Central e três para o Birô Político de 15 membros.
Rafael Hernández, um cientista político que edita a revista "Tema", diz que há legiões de jovens membros do partido nas fileiras inferiores que, muitas vezes, atingem um muro quando sobem. "É uma difícil mudança política entre a geração que está aí há 50 anos e a jovem geração", disse.
Assistindo a tudo isso estão cubanos como Sevián Vargas, 32, que considerou os fatos em sua nova barraca de hambúrgueres. Como um "cuenta propista" -uma das legiões de pequenas empresas familiares que vendem de tudo, desde o uso de banheiros a pizza e bijuterias-, ele aprecia a oportunidade de ter seu próprio negócio.
Mas, afinal, ele disse que já viu promessas de reforma morrerem lentamente e se pergunta se alguma coisa levará a mais liberdade.
"Acho que todos temos esperança, precisamos ter", ele disse. "Muitas vezes eles falaram e não seguiram o que tinham dito. Mas Raúl é mais direto. Desta vez, talvez seja para valer."


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