São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2010

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Redes sociais alteram equilíbrio de poder na Indonésia

Por NORIMITSU ONISHI

JACARTA, Indonésia - Descontentes com a instalação de uma estátua de Barack Obama aos dez anos de idade numa praça de Jacarta, os indonésios levaram seu protesto não às ruas, mas ao Facebook. Após queixas de mais de 56 mil manifestantes on-line, as autoridades municipais cederam aos argumentos de que o parque deveria homenagear um indonésio.
Esse exemplo de organização comunitária de alta tecnologia foi o resultado direto da explosão das redes sociais na Indonésia. Mas o boom está gerando um acirrado debate sobre os limites da liberdade de expressão na jovem democracia local. O governo tenta regulamentar o conteúdo da internet, e a fortalecida imprensa local reage.
Defensores de uma maior liberdade veem as redes sociais como uma ferramenta vital para democratizar ainda mais o sistema político frequentemente corrupto do país. Céticos, especialmente entre políticos e líderes religiosos, se preocupam com o domínio das massas e a perda de valores tradicionais.
No lance mais recente, o governo propôs uma lei que obrigaria provedores de internet a filtrar o conteúdo. O projeto foi abandonado diante dos estrondosos protestos on-line e na grande imprensa.
Graças aos celulares relativamente baratos que oferecem acesso à internet, o Facebook, o Twitter e as redes sociais locais se espalharam rapidamente das cidades para aldeias de todo o Sudeste Asiático, especialmente na Indonésia e nas Filipinas.
Em pouco mais de um ano, o número de usuários indonésios do Facebook disparou de menos de 1 milhão para mais de 21 milhões. Segundo dados do Facebook, a Indonésia está atrás apenas dos EUA (118 milhões de usuários) e do Reino Unido (24 milhões).
O país tem o maior número de usuários do Facebook e do Twitter na Ásia, de acordo com empresas como a Sysomos, de Toronto, que analisa o tráfego nas redes sociais. Com dezenas de milhões de pessoas instantaneamente conectadas, as redes sociais se tornaram rapidamente uma força política poderosa, embora às vezes imprevisível.
Protestos no Facebook e em outros sites deram apoio a líderes do principal órgão indonésio de combate à corrupção, que, numa prolongada disputa contra a polícia e a Procuradoria-Geral, acabaram sendo presos, aparentemente sob falsas acusações.
A reação na rede levou o presidente Susilo Bambang Yudhoyono a interceder; a polícia e a procuradoria, vistas como instituições corruptas, arquivaram o caso e libertaram os funcionários em novembro.
Em outra "cause célèbre", a mobilização digital contribuiu com a libertação de uma mulher de 32 anos, presa depois de se queixar do mau atendimento em um hospital na periferia de Jacarta.
Promotores a denunciaram sob uma nova lei relativa à informação eletrônica, já que ela havia mandado a amigos um e-mail detalhando suas queixas. A Justiça acabou por inocentá-la em dezembro.
Tifatul Sembiring, ministro de Comunicação e Tecnologia da Informação, disse que o governo vai reapresentar o projeto de regulamentação do conteúdo digital depois que a polêmica "esfriar".
"Queremos limitar a distribuição de conteúdo negativo, como a pornografia, o jogo de azar, a violência e a blasfêmia", disse Tifatul, acrescentando que o conteúdo digital deve ser regulamentado de modo a preservar "nossos valores, também nossa cultura, e também nossas normas".
O parlamentar e ex-jornalista Ramadhan Pohan disse que esses movimentos on-line perturbam profundamente políticos, burocratas e até administradores hospitalares desacostumados a contestações diretas -e bem-sucedidas- à sua autoridade.
"O problema é que muitos funcionários do governo são paranoicos com esse novo conteúdo on-line", disse Pohan. "Eles são políticos e burocratas antiquados que, se você perguntar, não têm uma conta de Facebook ou Twitter. Eles não percebem que, em termos de democracia e liberdade de expressão, chegamos a uma espécie de ponto sem volta." No Parlamento, Pohan disse que ele e outros defensores da mídia digital desregulamentada "ainda estão em minoria".
O influente blogueiro Enda Nasution disse que as leis podem sufocar a florescente blogosfera indonésia. Nasution, 34, disse que quando começou a blogar, há quase uma década, contava os blogueiros do país nos dedos das mãos. Hoje, segundo a Virtual Consulting, há mais de 1 milhão de blogueiros indonésios.
Em Cingapura, na Malásia e em outros países da região onde a mídia é controlada, os blogs tendem a ser o local de informações que não podem ser noticiadas na grande imprensa, disse Nasution. Na Indonésia, onde a imprensa é livre, "os blogueiros também atuam como fiscais ou comentaristas", acrescentou.
Os movimentos on-line, disse ele, são um divisor de águas na evolução do papel das mídias sociais locais. "Não sabemos aonde isso vai nos levar", afirmou ele, acrescentando que os defensores da regulamentação "estão parados no caminho de um tsunami on-line".
"Não dá para pará-lo", afirmou. "Não se trata só de tecnologia. Trata-se de a Indonésia redefinir seus valores."


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