São Paulo, segunda-feira, 03 de maio de 2010

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Divisão do Paquistão chega à universidade

Por SABRINA TAVERNISE

LAHORE, Paquistão - O professor estava trabalhando recentemente no seu escritório, no campus da maior universidade do Paquistão, quando membros de um grupo estudantil islâmico abriram a porta violentamente, o agrediram com barras de metal e jogaram um gigantesco vaso na cabeça dele.
Iftikhar Baloch, professor de ciência ambiental, havia expulsado membros do grupo da sua aula, por comportamento violento. A retaliação o deixou ensanguentado e quase inconsciente -e uniu seus colegas, que protestaram fazendo uma greve de quase três semanas, encerrada em 19 de abril.
O caso atraiu a atenção para o grupo estudantil Islami Jamiat Talaba, cuja polícia da moral e dos costumes há anos aterroriza a universidade, graciosa instituição centenária, brandindo uma versão chauvinista do islã, segundo professores.
Mas o grupo tem a ajuda de uma fonte surpreendente -líderes políticos nacionais que lhe dão rédea solta, porque às vezes fazem alianças com sua organização-mãe, o Jamaat-e-Islami, mais antigo e poderoso partido religioso do Paquistão, dizem os acadêmicos. O drama da universidade resume a situação que o Paquistão vive hoje: uma minoria intolerante, agressiva, aterroriza uma maioria pacífica, de mentalidade aberta, enquanto uma oportunista classe política hesita, beneficiando-se de alianças com os agressores.
A dinâmica ajuda a explicar como o Taleban e outros grupos militantes locais, embora sejam pequenos e com frequência impopulares, controlam grandes parcelas da sociedade.
Mas estamos na Universidade do Punjab, mais importante instituição paquistanesa de ensino superior, com cerca de 30 mil alunos, e um caminho relevante para o progresso das crescentes fileiras das classes baixas e médias do país.
A batalha na universidade diz respeito à futura direção do país, e se os que impõem uma visão intolerante do islã vão prevalecer contra a combalida camada educada da população, mais voltada para o exterior.
Por isso o problema do Islami Jamiat Talaba é tão urgente, segundo os professores. "Eles são 'hooligans' com uma mentalidade do Taleban e deveriam ser banidos, ponto", disse Maliha Aga, professora do Departamento de Artes, que participava de um protesto de docentes vestindo becas. "É a única forma de esta universidade sobreviver."
A retórica do grupo, como a do partido do qual deriva, é antiocidental, chauvinista e intolerante em relação às minorias religiosas do Paquistão. Ele dava apoio explícito ao Taleban, até que, no ano passado, isso se tornou impopular.
Seus membros perturbam aulas de música, proíbem a venda de refrigerantes ocidentais e batem em alunos que se sentam ao lado de meninas no gramado do campus. "É fascista", disse Shaista Sirajuddin, professora de literatura inglesa. "Todos os governos desviaram os olhos."
O grupo tem algo de enigmático. Pode ser agressivo, mas é relativamente pequeno, e sua popularidade entre os estudantes minguou nos últimos anos. Um jovem professor disse que ser ligado a ele hoje é um estigma.
Mas ele ainda consegue dominar, ao empunhar habilmente o islã como uma arma para esmagar seus inimigos, denunciando como não islâmico qualquer um que dele discordar.
A tática é eficaz no Paquistão, um país jovem, cuja confusão inicial sobre o papel do islã na sociedade se cristalizou em uma rígida certeza, sobre a qual é tabu questionar. "É impensável conversar até sobre direitos humanos sem uma referência ao Livro Sagrado [Corão], tamanho é o pavor de ser citado como não islâmico", disse Sirajuddin.
Alunos e professores dizem que o objetivo do grupo é o poder, e que ele usa a violência para obtê-lo. Uma professora, que por medo de represália se identificou apenas com o sobrenome Tayyib, disse que membros do grupo já atacaram dois eventos esportivos que ela organizou, numa das vezes atirando cadeiras.
A intimidação envenenou a atmosfera acadêmica, disse outra jovem professora, Nazia, que também ficou com medo de ver o seu nome completo publicado. "A Jamiat é uma ameaça aos professores. Isso enfraquece a qualidade da educação."


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