São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2011

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AREF NAYED

Um líbio que une a fé à tecnologia

Por ANNE BARNARD

TRÍPOLI, Líbia - Aref Nayed tomava um cappuccino no saguão do Hotel Corinthia, próximo à orla de Trípoli, citando Montesquieu a respeito do direito e santo Agostinho sobre o perdão, numa conversa que havia começado com assuntos mais mundanos, como restaurar o fornecimento de água na Líbia e de contar seus mortos. Então seu celular tocou.
"Preciso atender", disse. "Alguém quer se render."
Uma pessoa ligada a Muammar Gaddafi pedia garantias para se entregar. Nayed queria que isso acontecesse, e não só porque a reconciliação é uma das suas tarefas no governo provisório líbio.
Ele é também um teólogo muçulmano que, além de dirigir uma empresa de tecnologia, dedicou-se antes da rebelião líbia a escrever textos eruditos, argumentando que a compaixão é o valor fundamental no islã, que os muçulmanos podem prosperar dentro de um Estado liberal laico, e que mesmo os mais justos devem adotar um "reconhecimento humilde" da sua própria falibilidade.
Agora, como coordenador de uma equipe de estabilização do Conselho Nacional de Transição, ele tem um laboratório ideal para testar seus postulados teológicos.
"Não acho que deva haver uma caça às bruxas, expurgos ou limpezas", afirmou, acrescentando que quem cometeu crimes no regime de Gaddafi deve ser julgado.
Nayed, 49, cresceu em Trípoli, estudou nos EUA e no Canadá e fez negócios na Itália. Voltou para a Líbia na década de 1990, mantendo atividades empresariais aqui e no exterior.
Mas, embora tenha estudado engenharia por insistência de seu pai, seu coração sempre esteve na filosofia, no islamismo sufi e na religião comparada.
Nos últimos anos, Nayed se envolveu em contatos com cristãos e judeus. Em 2006, após polêmicas declarações do papa Bento 16 sobre o islamismo, Nayed foi um dos 138 acadêmicos muçulmanos que redigiram uma carta propondo um diálogo interreligioso.
Ele participou de uma conferência de clérigos que recentemente reinterpretou a famosa "fatwa" (édito religioso) de Ibn Taymiyya, do século 14, sobre a "jihad", argumentando que os radicais islâmicos que a usam para justificar assassinatos estão equivocados.
Quando a rebelião começou, em fevereiro, ele e outros clérigos emitiram uma "fatwa" conclamando os líbios a resistirem a Gaddafi. Dois dias depois, ele fugiu para Dubai, nos Emirados Árabes, onde dirige a entidade islâmica Kalam Pesquisa e Mídia.
Foram as mulheres da sua vida -a esposa, a irmã e a filha- que o incentivaram à arriscada atuação na oposição. Quando partidários de Gaddafi ameaçaram os filhos da sua irmã, ela disse: "Se os matarem um a um, não recue".
Nayed diz que as mulheres líbias, que ele qualifica como "bastante piedosas, bastante livres e ao mesmo tempo bastante capazes" ocuparão cargos importantes no novo governo. Após assumir o poder, o CNT agora fala em organiza eleições nacionais, mas os prazos ainda estão em aberto.
Críticos resmungam sobre os contatos da sua família com o antigo regime. O pai dele, Ali Nayed, foi dono de uma grande construtora que trabalhava em projetos do governo, até Gaddafi confiscar seus bens, em 1978.
Nayed afirmou que, após 42 anos de domínio econômico de Gaddafi, poucos podem se dizer totalmente puros. "Havia outra escolha -deixar o país para sempre-, e tenho muito respeito por quem fez essa escolha", disse.
Ele tem grandes esperanças para a Líbia. Imagina que sua nação poderá se tornar um modelo para o mundo árabe. Ele vê os líbios, após receberem ajuda da Otan na sua revolução, abraçando o Ocidente sem perderem a dignidade.
"Se fizermos um bom trabalho aqui", disse Nayed, "isso pode se tornar um exemplo de respeito mútuo, compaixão mútua e amor mútuo entre a humanidade."


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