São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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OPINIÃO & COMENTÁRIO

Cedendo o Centro

McCain não fez uma defesa firme do conservadorismo progressista

Chip Somodevilla/Getty Images
Estátua em Washington de Alexandre Hamilton, criador de uma economia vibrante, que ajudaria todos os americanos


Há dois grandes partidos políticos nos EUA, mas há ao menos três grandes correntes políticas. A primeira é o estatismo ortodoxo, uma crença no uso do governo para diminuir a desigualdade. A segunda é o conservadorismo do mercado livre, a crença em limitar o governo para aumentar a liberdade.
Mas há uma terceira tendência, que flutua entre as duas anteriores. É a de usar o governo de maneira limitada, porém enérgica, para aumentar a mobilidade social. Essa tendência começou com Alexander Hamilton, o primeiro secretário de Tesouro, que criou uma economia nacional vibrante para que mais pessoas pudessem ter sucesso. Floresceu sob Abraham Lincoln e os republicanos da Guerra Civil, que fizeram leis dando ferramentas às pessoas para que perseguissem suas ambições. E continuou com Theodore Roosevelt, que acabou com monopólios corporativos.
Membros dessa tradição têm um pé no conservadorismo de Edmund Burke. Eles entendem o quão pouco sabemos e o muito que devemos confiar na tradição, na prudência e no hábito. Eles entendem o que é pecado, a importância das virtudes tradicionais e das instituições estáveis. Eles entendem que não somos indivíduos desprendidos, mas inseridos em rígidos organismos sociais.
Mas eles também têm um pé na paisagem americana e compartilham de seu otimismo e de sua fé lincolniana na transformação pessoal. Hamilton não buscava riqueza para seu próprio benefício, mas como uma maneira de aumentar a grandeza do país e servir a causa única que os EUA representam no mundo.
Os membros dessa tradição são seguidores americanizados de Burke, ou em outras palavras, conservadores progressistas.
Essa tendência vigorou na vida americana por um século e meio, mas entrou em hibernação no século 20 porque não se encaixava no grande debate daquele tempo _entre o socialismo e seus inimigos. Mas muitos de nós esperavam que essa tradição renascesse na campanha de John McCain.
McCain compartilha do instinto conservador progressista. Já mostrou sua simpatia pelo imigrante batalhador e sua aversão ao mundo corporativo. Ele tem um impulso incansável pela reforma e é devotado ao serviço à pátria e à excepcionalidade dos EUA. Sua campanha parecia o veículo perfeito para explicar como essa abordagem antiga se aplicava a um novo século com novos problemas _um século com crescente desigualdade, decadência do capital humano, fragilização do contrato social, aumento do endividamento, regimes corporativos autoritários no exterior e corporativismo desregrado nos EUA.
Ao modernizar essa tradição, alguns de nós esperavam que McCain tomasse partido no debate que agora divide os republicanos. Alguns deles acreditam que o partido se perdeu ao abandonar seus princípios de corte de impostos e antiestatismo. Eles querem uma volta aos tempos de Reagan (ao menos ao Reagan de suas imaginações). Mas outros querem modernizar e expandir o partido. Alguns de nós esperavam que ao reformar o partido, que se tornou impopular, McCain provasse que poderia reformar o país.
Mas McCain nunca tomou partido no debate e nunca articulou uma filosofia de governo, hamiltoniana ou de qualquer outra natureza. Numa edição recente da revista do "New York Times", Robert Draper descreveu as mudanças de táticas que consumiram a campanha de McCain. As táticas mudaram promiscuamente, mas eram todas focadas em como apresentar McCain, não em descrever o estado do país ou as necessidades do eleitor.
A tendência hamiltoniana é a grande corrente moderada na política americana. De certa forma, esta campanha foi uma disputa para ver qual partido poderia sair de sua base e ocupar o centro. O Partido Democrata venceu essa disputa. Democratas como Robert Rubin, Larry Summers e Jason Furman criaram o Projeto Hamilton, para delinear uma abordagem hamiltoniana para nossos dias.
McCain e os republicanos ficaram restritos a suas bases. Houve muita discussão sobre os gastos do Congresso. Um bom plano para a saúde que nunca foi explicado em detalhe. E houve Sarah Palin, representante dos velhos ressentimentos e estreito apelo do republicanismo convencional.
Como resultado, os democratas agora tomaram o centro. Os autodeclarados moderados preferem Obama numa escala de 59% a 30%, de acordo com pesquisa "New York Times"/CBS News. Obama tem uma vantagem de 21 pontos na avaliação de quem lidará melhor com a economia, segundo levantamento "Wall Street Journal"/NBC News.
McCain seria um presidente extraordinário. No governo, ele quase sempre teve um instinto por defender as causas certas. Se tornou um experiente articulador legislativo. Ele é firme contra os inimigos do país e cooperativo com seus amigos. Mas não conseguiu escapar da prisão de um partido agonizante e de um conservadorismo retrógrado. E é isso que tornou o estágio final de sua campanha tão indizivelmente triste.

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