São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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EDITORIAL DO "TIMES"

Barack Obama Para Presidente

Jornais americanos tradicionalmente anunciam apoio a um candidato em eleições locais e nacionais. O que segue é a preferência do "New York Times" na disputa presidencial deste ano. Hipérboles são moeda corrente em campanhas presidenciais, mas, neste ano, o futuro da nação está realmente em jogo.
Os EUA estão abatidos e sem rumo depois de oito anos sob a liderança fracassada de George W. Bush. Ele lega ao seu sucessor duas guerras, a imagem no mundo abalada e um governo sistematicamente incapaz de ajudar e proteger seus cidadãos _seja a fugir das enchentes trazidas por furacão, seja na busca por auxílio médico em conta ou na briga para manter casas, empregos e economias em meio a uma crise econômica previsível e evitável.
Por mais duros que sejam os tempos, a escolha do novo presidente é fácil. Após quase dois anos de uma campanha dura, o senador Barack Obama provou ser a escolha correta para 44º presidente dos EUA.
Obama superou desafio após desafio, crescendo como líder e dando substância a suas promessas de esperança e mudança. Ele mostrou ter cabeça fria e discernimento. Acreditamos que ele tem a vontade e a habilidade para forjar o amplo consenso político que é essencial para achar as soluções para o país.
Ao mesmo tempo, o senador John McCain se lançou cada vez mais ao que há de pior na política americana, conduzindo uma campanha baseada em divisão partidária, luta de classes e até indícios de racismo. Suas políticas e sua visão de mundo estão voltadas para o passado. Sua escolha de uma companheira de chapa claramente inepta a ocupar o cargo foi um ato final de oportunismo e falta de discernimento que eclipsa suas realizações em 26 anos no Congresso.
Dada a natureza da campanha de McCain, o anseio por fazer uma escolha baseada em pura emoção é forte.
Mas há um valor maior em olhar de perto os fatos da vida nos EUA hoje e as receitas que os candidatos oferecem. As diferenças são profundas.
McCain oferece mais da ideologia republicana do cada um por si, que agora jaz nas ruínas de Wall Street e das contas de bancos americanos. Obama tem outra visão do papel e das responsabilidades do governo.
No seu discurso na convenção em Denver, Obama disse: "O governo não pode resolver todos os nossos problemas, mas o que ele deve fazer é aquilo que não podemos fazer por nós mesmos: proteger-nos do mal e dar a toda criança educação decente; manter nossa água limpa e nossos brinquedos seguros; investir em novas escolas, estradas, ciência e tecnologia". Desde o início da crise, ele identificou corretamente a atroz falha da regulação governamental que levou os mercados à margem do colapso.

A Economia
O sistema financeiro americano é vítima de décadas de políticas anti-regulatórias e antiimposto dos republicanos. Essas idéias se provaram erradas a um altíssimo preço, mas McCain segue acreditando nelas.
Obama entende que amplas reformas serão necessárias para proteger os americanos e seus negócios.
McCain fala muito de reforma, mas sua visão é turva. Sua resposta a toda questão econômica é eliminar gastos supérfluos criados por congressistas _cerca de US$ 18 bilhões em um Orçamento de US$ 3 trilhões_, cortar impostos e esperar que os mercados resolvam o problema.
Obama sabe que a estrutura de impostos do país precisa mudar para se tornar mais justa. Isso significa que americanos bem de vida, que se beneficiaram de maneira desproporcional com os cortes de imposto de Bush, terão que pagar mais. Os trabalhadores, que viram decair seu padrão de vida e diminuir as oportunidades de seus filhos, serão os beneficiados. Obama quer aumentar o salário mínimo e atrelá-lo à inflação, restaurar um ambiente no qual trabalhadores podem organizar sindicatos se assim quiserem e aumentar as oportunidades educacionais.

Segurança Nacional
As Forças Armadas americanas _tanto em contingente quanto em equipamento_ estão operando perigosamente além de sua capacidade. Bush negligenciou a guerra necessária no Afeganistão, que agora ameaça descambar para uma derrota. A guerra no Iraque, cara e desnecessária, precisa terminar, da maneira mais rápida e responsável possível.
Enquanto líderes iraquianos insistem numa retirada gradual das tropas americanas e um prazo para o fim da ocupação, McCain ainda fala sobre "vitória". Como resultado disso, ele não propôs nenhum plano real para retirar as tropas americanas e limitar os danos ao Iraque e a seus vizinhos.
Obama se opôs desde cedo à guerra no Iraque e já apresentou um plano militar e diplomático para a retirada das tropas americanas. Obama também alertou corretamente que, até que o Pentágono comece a retirar tropas do Iraque, não haverá soldados suficientes para derrotar o Taleban e a Al Qaeda no Afeganistão.
Obama terá que estudar mais política externa, mas já demonstrou ter um discernimento maior que o adversário nessas questões-chave. Sua escolha do senador Joe Biden _que tem grande experiência em política externa_ como companheiro de chapa é outro sinal desse discernimento. O interesse de longa data de McCain pelo tema e os muitos perigos que o país enfrenta hoje tornam sua escolha de Sarah Palin como vice ainda mais irresponsável.
Ambos os candidatos falam em fortalecer alianças na Europa e na Ásia, incluindo a Otan, e apóiam firmemente Israel. Ambos os candidatos falam em recuperar a imagem que o mundo tem dos EUA. Mas nos parece claro que Obama é muito mais apto a cumprir essas promessas.

A Constituição e a Lei
Sob Bush e seu vice-presidente, Dick Cheney, a Constituição, o sistema judiciário e a separação dos poderes sofreram um ataque incansável. Bush decidiu explorar a tragédia do 11 de Setembro, momento em que parecia ser o presidente de uma nação unificada, para tentar se colocar acima da lei. Bush se concedeu o poder de prender pessoas sem acusações e intimidou o Congresso a lhe dar autoridade ilimitada para espionar americanos. Ele criou inumeráveis programas clandestinos, incluindo prisões secretas e tortura. Deu centenas, se não milhares, de ordens secretas. Tememos que vá levar anos para descobrir quantos direitos básicos foram violados.
Ambos os candidatos condenaram a tortura e se comprometeram a fechar a prisão na baía de Guantánamo, em Cuba.
Mas Obama foi além, prometendo identificar e corrigir os ataques de Bush ao sistema democrático. McCain calou sobre o tema.
McCain ampliou a proteção aos detentos. Mas ele ajudou a Casa Branca a aprovar o Decreto de Comissões Militares, em 2006, que negou aos presos o direito a uma audiência em uma Corte verdadeira.
O próximo presidente terá a chance de indicar um ou mais juízes à Corte Suprema, hoje à margem de ser dominada por uma ala radical de direita. Obama pode indicar juízes menos progressistas do que gostariam alguns de seus apoiadores, mas McCain certamente escolherá rígidos ideólogos. Ele disse que nunca escolheria um juiz que defenda o direito ao aborto.

Os candidatos
Apenas trazer o país de volta para onde estava antes de Bush, começar a remendar sua imagem perante o mundo e recuperar sua autoconfiança e respeito próprio já será um tremendo desafio. Fazer tudo isso e ainda levar o país adiante requererá força de vontade, caráter e intelecto, julgamento sóbrio e mão firme.
Essas qualidades abundam em Obama. Ele atraiu legiões de novos eleitores com poderosas mensagens de esperança e oportunidades e chamados a sacrifício e responsabilidade social.
McCain gastou os últimos pedaços de sua reputação de detentor de princípios e discernimento para aplacar as demandas sem limite e a visão estreita da direita radical.
Ele abdicou de seu passado independente na pressa em abraçar as equivocadas políticas tributárias de Bush e em abandonar sua posição de liderança em temas como mudança climática e reforma imigratória.
McCain poderia ter optado por um discurso de alto nível sobre energia e ambiente. No início de sua carreira, ele apresentou o primeiro projeto de lei plausível para controlar as emissões de gases no país. Hoje, suas posições são uma caricatura desse histórico: pense em Palin puxando gritos de "perfure, baby, perfure".
Obama apoiou a exploração de petróleo em alto-mar, mas como parte de uma abrangente estratégia que inclui grandes investimentos em tecnologias novas e limpas.
Obama enfrentou alguns dos ataques mais duros já lançados contra um candidato. Ele foi chamado de antiamericano e acusado de esconder uma secreta crença islâmica. Os republicanos o ligaram a terroristas domésticos e questionaram o amor de sua mulher pelo país. Palin também questionou o patriotismo de milhões de americanos, chamando os Estados que pendem aos republicanos de "pró-EUA".
A política do medo, da divisão e da difamação ajudou Bush a vencer McCain nas primárias republicanas de 2000 e a derrotar John Kerry em 2004. Foi o tema dominante de seu malsucedido governo.
Os problemas do país são graves demais para ser reduzidos a retórica e anúncios negativos. Este país precisa de liderança sensata, compassiva, honesta e forte. Barack Obama demonstrou possuir todas essas qualidades.

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