São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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A batalha pelos elementos

Thomas Lee para o New York Times
Mina na aldeia Guyun, na China, que em três anos esgotou as suas reservas de terras raras; mundo tem alta demanda por esses elementos químicos

Por KEITH BRADSHER
Guyun Village, CHINA
Algumas das tecnologias mais limpas do nosso tempo, de carros elétricos e lâmpadas eficientes até enormes turbinas eólicas, são possíveis graças a um grupo diferente de elementos químicos, chamados terras raras. A dependência do mundo em relação a essas substâncias cresce rapidamente.
Só um problema: elas vêm quase inteiramente da China, de algumas das minas mais nocivas ao meio ambiente, num setor dominado por criminosos.
Governos ocidentais estão preocupados com o quase-monopólio chinês. Em Washington, o Congresso, diante da dependência dos militares dos EUA em relação às terras raras chinesas, recentemente encomendou um estudo sobre possíveis alternativas.
Aqui em Guyun, pequena aldeia no sudeste chinês, ladeada por luxuriantes alamedas de bambus e bananais, o dano pode ser visto nas cicatrizes marrom-avermelhadas de barro que descem por vales e terrenos baldios, onde outrora havia arrozais cor de esmeralda.
Os garimpeiros varrem a camada superior do solo e, com pás, jogam o barro salpicado de dourado em poços, usando ácidos para extrair as terras raras. Os ácidos acabam levados para córregos e rios, destruindo a rizicultura e a piscicultura e poluindo o abastecimento de água.
Numa recente tarde chuvosa, Zeng Guohui, 41, caminhou até uma mina abandonada onde costumava garimpar minérios e apontou para trechos ainda estéreis de terra e lama. A mina esgotou em três anos o depósito local de terras raras e, dez anos após seu fechamento, ninguém tentou recuperar os arrozais localizados córrego abaixo.
Pequenas minas que produzem terras raras como disprósio e térbio ainda operam em morros próximos. "Há protestos constantes, pois isso danifica a terra arável -as pessoas estão sempre exigindo indenização", disse Zeng.
"Em muitos lugares, abusa-se da mineração", afirmou Wang Caifeng, diretor da agência que regula o setor no Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China. "Isso tem causado grande dano à ecologia e ao meio ambiente."
Existem 17 elementos no grupo das terras raras -alguns dos quais, apesar do nome, não são particularmente raros-, mas há escassez especificamente de disprósio e térbio, duas terras raras pesadas e ingredientes que se provaram milagrosos em produtos ligados à energia limpa. Pequenas quantidades de disprósio podem reduzir em até 90% o peso dos ímãs nos motores elétricos, enquanto o térbio ajuda a diminuir em 80% o uso de eletricidade na iluminação. Os preços do disprósio quase setuplicaram desde 2003. Já a cotação do térbio quadruplicou entre 2003 e 2008.
A China extrai mais de 99% do disprósio e do térbio do mundo. A maior produção vem de cerca de 200 minas aqui no norte de Guangdong e na Província vizinha de Jiangxi. A China também domina a produção de elementos mais leves de terras raras, que são valiosos para diversos setores. Mas para esses a escassez é menor, e a mineração é mais regulamentada.
Metade das minas de terras raras pesadas é ilegal, de acordo com executivos do setor. Porém, mesmo as minas legais, como aquela onde Zeng trabalhou, costumam acarretar riscos ao meio ambiente.
Um grupo de quadrilhas chinesas, capazes de matar, domina grande parte do garimpo e tem ligações com autoridades locais, segundo Stephen Vickers, ex-chefe de inteligência criminal da polícia de Hong Kong, hoje executivo-chefe da empresa global de segurança International Risk.
O Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação lançou em abril um anteprojeto para suspender toda a exportação de terras raras pesadas, em parte por razões ambientais, em parte para forçar outros países a comprarem produtos manufaturados da China. Quando o plano foi divulgado, em 1? de setembro passado, os governos e empresas ocidentais se opuseram fortemente e, dois dias depois, Wang anunciou que a China não irá suspender as exportações. Mas o ministério posteriormente reduziu em 12% as quotas para a exportação anual de todas as terras raras.
O Congresso dos EUA reagiu, ordenando que o Departamento de Defesa realize uma ampla revisão, até 1? de abril, de toda a dependência militar norte-americana em relação às terras raras importadas para equipamentos, como instrumentos de visão noturna e telêmetros.
Os usuários ocidentais de terras raras pesadas dizem que não é possível calcular qual é a proporção de minerais comprados da China que vem de minas operadas de forma responsável. A Toyota afirmou ter comprado autopeças que incluem terras raras, mas sem ter participado na aquisição de materiais para os seus fornecedores. A Osram, grande fabricante de lâmpadas, parte da alemã Siemens, disse usar a menor quantidade possível de terras raras.
Os maiores usuários de terras raras pesadas nos próximos anos podem ser os fabricantes de grandes turbinas eólicas, que precisam de ímãs muito mais leves para os geradores de cinco toneladas colocados no topo de torres cada vez mais altas. A empresa dinamarquesa Vestas, maior fabricante mundial de turbinas eólicas, disse que protótipos para a sua próxima geração usam o disprósio, e que a empresa está estudando o fornecimento do elemento.
Executivos do setor de mineração de terras raras, que movimenta US$ 1,3 bilhão por ano, dizem que é preciso atuar com mais respeito ao meio ambiente, dada a importância do produto para as tecnologias de energia limpa. Desenvolvedores esperam abrir minas no Canadá, África do Sul e Austrália, mas todas ainda estão a anos da produção em grande escala. Elas irão gerar quantidades expressivas de terras raras leves, enquanto sua produção de terras raras pesadas deve ser prontamente arrematada para atender à demanda do setor eólico.
"Esta indústria quer salvar o mundo", disse Nicholas Curtis, presidente-executivo da australiana Lynas Corporation. "Não podemos fazer isso e deixar que um produto que está brilhando fique no escuro em outro lugar, matando pessoas."


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