São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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Ambição nuclear real do Irã é incógnita

Radicalismo de Teerã prejudica sua imagem estratégica

Por MICHAEL SLACKMAN
CAIRO - Antes da atual crise política no Irã, os especialistas iranianos concordavam de modo geral que a República Islâmica queria desenvolver a capacidade de construir armas nucleares, sem realmente produzi-las. Hoje, nem todos têm tanta certeza.
O principal motivo para a mudança de pensamento é a ascensão do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica como o mais poderoso bloco tomador de decisões no país. Mas a mudança também é consequência da disputa política entre a elite, que inverteu avaliações anteriores sobre o processo de tomada de decisões no Irã, silenciou as vozes mais pragmáticas e tornou quase impossível alguém apoiar a cooperação nuclear sem ser acusado de render-se ao Ocidente. Nas últimas semanas, milhares de pessoas se reuniram no Irã, no feriado que marca a morte do mais sagrado mártir do islamismo xiita, e houve distúrbios, os mais sangrentos desde junho no país.
Esse movimento em direção a uma linha mais dura frustrou as tentativas do presidente dos EUA, Barack Obama, de abrir um novo canal de comunicação com a liderança iraniana. E, agora, tendo definido o prazo do fim do ano para que o Irã coopere, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais parecem dispostos a impor sanções mais duras ao país, uma medida que alguns analistas temem que possa levar as forças mais radicais a monopolizar o poder, pelo menos em curto prazo.
"Um Estado dominado pela Guarda Revolucionária, como presenciamos desde a eleição presidencial, mostrou-se muito menos prudente e muito mais violento que o comportamento comum anterior da República Islâmica do Irã", disse Rasool Nafisi, pesquisador do Irã nos EUA e coautor de um relatório sobre a Guarda Revolucionária para a Rand Corporation. "Devemos calcular com mais cautela o impacto desse Estado sobre o desenvolvimento nuclear."
Isso não quer dizer que o Irã esteja necessariamente se preparando para abandonar o Tratado de Não Proliferação Nuclear ou para fazer uma bomba e declarar-se um Estado com armas nucleares, como fez a Coreia do Norte. Mas os iranianos que apoiam o confronto total com o Ocidente predominam no debate público do país e na tomada de decisões neste momento, segundo especialistas em Irã e diplomatas europeus.
Alguns destes estão céticos sobre a capacidade do país de reverter a evolução para uma liderança mais militarizada e radical. Alguns temem que um confronto mais agudo com o Ocidente possa até acelerar esse processo.
"A ideia, é claro, é ver se [eventuais] sanções podem contribuir para promover uma mudança política interna", disse um diplomata europeu que tem muitos anos de serviço no Irã e insistiu em manter o anonimato. "Mas isso é duvidoso." O diplomata disse que o governo passou do autoritarismo cínico para a repressão radical.
O Irã até agora não adotou o modelo norte-coreano de renunciar ao Tratado de Não Proliferação e barganhar com o mundo exterior como um Estado nuclear declarado. Mas há preocupações de que a liderança de Teerã esteja se sentindo tão paranoica e vulnerável por causa das divisões internas que, se for pressionada, poderá rumar naquela direção.
Abandonar formalmente o tratado e recusar-se a negociar com o Ocidente minaria a alegação central do Irã de que seu programa nuclear é de natureza pacífica. Também poderia desgastar a disposição da China e da Rússia a continuar apoiando o Irã no Conselho de Segurança da ONU, e encorajar Israel a desferir um ataque militar com a aprovação silenciosa do Ocidente, segundo especialistas.
"Desde que Teerã possa pintar o problema como imperialistas que tentam negar seus direitos à tecnologia nuclear, conseguirá o apoio de uma parte significativa do mundo em desenvolvimento", disse Mark Fitzpatrick, estudioso de não proliferação no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos em Londres.
No passado, a indefinição do Irã seria considerada uma estratégia destinada a separar o Ocidente da Rússia e da China. Mas, embora essa seja provavelmente uma parte da explicação, existe uma sensação geral de que também reflete a incapacidade desse país fraturado de alcançar uma decisão firme sobre a questão. A pergunta que o Ocidente precisa calcular é: Qual será essa decisão, afinal?
"A maioria dos analistas acredita que o Irã vai parar antes de fabricar uma bomba, mas quer estar preparado para isso", disse Nafisi. "Eu acho que depende muito da situação política, pois o Irã tem materiais físseis suficientes para fabricar uma bomba."


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