São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Ecos de Bach, em madeira e ferro

Por GUY GUGLIOTTA
ROCHESTER, Nova York - O órgão de tubos cerimonial do século 18 era uma obra-prima do engenho humano, tão elegante na sua aparência externa que o observador casual mal poderia suspeitar da complexidade que havia por dentro.
Cada órgão era projetado para se encaixar no espaço a ele destinado, o que ia de pequenas igrejas das aldeias às enormes catedrais da realeza. Os construtores eram artesãos de precisão, celebrados por sua habilidade na produção manual de milhares de partes móveis e por moldar e afinar tubos de metal e madeira de modo a metamorfosearem cada instrumento de uma orquestra.
O efeito era de tirar o fôlego. "Cada instrumento lhe fala de uma forma diferente", disse Hans Davidsson, organista de concerto, diante do teclado do órgão da cavernosa Igreja Episcopal de Cristo, em Rochester, Nova York.
Davidsson começou a tocar um hino de Bach, "Gottes Sohn Ist Kommen" ("O filho de Deus chegou"), e um enorme som cristalino explodiu a partir dos tubos cintilantes.
O órgão, o Craighead-Saunders, é único por ser a cópia quase exata de um órgão do Barroco tardio, construído em 1776 por Adam Gottlob Casparini, que se encontra atualmente na Igreja do Espírito Santo em Vilna, na Lituânia.
Os instrumentos modernos tiram vantagem de tecnologias como compressores de ar, materiais compostos e circuitos elétricos, que trouxeram aos fabricantes novas gerações de ferramentas e materiais.
No entanto, antes disso tudo, os construtores trabalhavam de outro jeito. O ar para os tubos do órgão da Igreja de Cristo vem de enormes foles de couro bombeados por um assistente em um pedal de madeira atrás do teclado. Registros, teclas e pedais usam um engenhoso sistema de tiras rígidas de carvalho e tília, conectadas em ângulos precisos com juntas de ferro forjadas à mão. O órgão não tem fios nem polias.
Os tubos metálicos são feitos de chumbo e estanho, moldados à mão em torno de gabaritos de madeira e então soldados. A maioria dos tubos de madeira é de pinho. Tubos de registro mais alto são pequenos e finos, alguns do tamanho de um lápis.
Tubos de registro baixo se aproximam do diâmetro de bocas-de-lobo. Sentados na nave da igreja, os frequentadores enxergam talvez cem tubos. O resto -o órgão da Igreja de Cristo tem mais de 2.200 ao todo- fica escondido.
O projeto de construir uma réplica do órgão de Vilna começou em 2000 na Escola Eastman de Música da Universidade de Rochester (EUA), mas já fazia anos que a Eastman queria um novo instrumento para a Igreja de Cristo. David Higgs, organista de concerto e chefe do Departamento de Órgão da Eastman, buscava um havia anos.
Em 1998, Higgs conheceu Davidsson, fundador do Centro para a Arte do Órgão de Gotemburgo, na Suécia. O local é especializado em reconstruir órgãos históricos e em assegurar que instrumentos restaurados soem do jeito que os construtores queriam, e que toquem adequadamente uma música que foi escrita para eles.
Em 2000, Davidsson entrou para o corpo docente da Eastman, e ele e Higgs decidiram ampliar a coleção de órgãos da escola. Formaram uma parceria com Gotemburgo. A equipe queria fazer uma réplica de um órgão do Alto Barroco, preferencialmente um que o próprio Bach tivesse tocado. O instrumento seria batizado em homenagem a dois professores de órgão da Eastman, David Craighead, já aposentado, e Russell Saunders, que morreu em 1992 e cuja família doou para a escola US$ 500 mil para iniciar o projeto da Igreja de Cristo. Ao todo, a réplica custaria mais de US$ 3 milhões.
"Mas um órgão assim não existiu", disse Davidsson.
Eles então pensaram no órgão de Vilna. Ele havia sido construído 26 anos depois da morte de Bach, mas Casparini havia trabalhado como assistente na construção de pelo menos um órgão que Bach testou, e poderia tê-lo conhecido.
O mais importante era que o órgão de Vilna, embora modificado durante o século 19, nunca havia sido restaurado e raramente havia sido reparado, e era fácil ver exatamente como o original fora construído. A equipe começou medindo tudo no órgão de Vilna. Os técnicos desenharam cada peça, cada junta, cada tubo e cada superfície.
A construção das peças em Gotemburgo demorou quatro anos. Enquanto isso, em Rochester, marceneiros especializados em gabinetes construíam um novo balcão de órgão para a Igreja de Cristo. Varreduras digitais permitiram que a equipe reproduzisse os entalhes.
O órgão chegou a Rochester em 2007, e sua montagem levou um ano. Quando é tocado corretamente, disse Stephen Kennedy, diretor musical da Igreja de Cristo, provoca orgulho. "É fabuloso para o canto de hinos, e os sons mais leves têm uma incrível vitalidade", disse Kennedy. "Ele grita com alegria."


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