São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Crise árabe faz diplomatas repensarem suas carreiras

Embaixadores têm coragem ou senso de preservação

Por SHERYL GAY STOLBERG
WASHINGTON - As empregadas que varriam o chão de mármore na residência do embaixador líbio nos EUA voltaram para as Filipinas, pois seus vistos expiraram agora que o patrão Ali Suleiman Aujali deixou o cargo. O motorista foi embora também.
Mas Aujali permanece, numa ambígua situação diplomática.
A embaixada que ele comandou por mais de dois anos foi fechada em março pelo Departamento de Estado. Assim, Aujali, que renunciou ao cargo de embaixador da Líbia ao romper com o coronel Muammar Gaddafi no final de fevereiro, passou a trabalhar em casa.
Ele tenta se reinventar como representante oficial em Washington de um novo governo líbio -o qual ainda não existe.
"Não estou mais representando o regime -estou representando o povo", declarou Aujali.
Ou, como disse Aly Abuzaakoouk, militante líbio dos direitos humanos e um amigo de Aujali: "Ele agora é embaixador de uma rebelião".
Aujali, que passou 40 anos a serviço da Líbia, faz parte de uma extraordinária onda de repentinos ex-diplomatas que, dependendo do ponto de vista, estão exibindo uma coragem incomum ou um sábio instinto de autopreservação.
O embaixador líbio na ONU e outros funcionários da missão também se colocaram ao lado dos revolucionários, assim como diplomatas de alto escalão na França, na Índia e na China. Três embaixadores iemenitas -na ONU, na Síria e no Líbano- se demitiram em protesto contra a repressão do governo contra manifestantes.
O fervor democrático que varre o mundo árabe tem forçado muitos diplomatas a se ajustarem. Embaixadores da Tunísia e do Egito, onde as revoluções foram em grande medida pacíficas, ficaram nos seus cargos.
Mas, no caso dos países onde os protestos se tornaram sangrentos, como Bahrein, Iêmen e especialmente Líbia, as escolhas parecem mais complexas.
O embaixador do Bahrein em Washington, Houda Ezra Nonoo, mantém a discrição. O mesmo faz o iemenita Abdulwahab Abdulla al Hajjri, chamado pela revista "Time" de "decano da diplomacia em Washington", e conhecido por jantares e festas animados que oferece.
Al Hajjri, que é cunhado do presidente do Iêmen, parece se manter firme. Mas o representante do Iêmen na ONU, Abdullah Alsaidi, renunciou em 18 de março.
"Com franco-atiradores nas sacadas das casas alvejando pessoas na cabeça e no pescoço -para mim, não posso mais em sã consciência articular a posição do governo junto às autoridades da ONU", justificou Alsaidi.
Aujali, o ex-embaixador da Líbia, serviu na Malásia, na Argentina, no Brasil e no Canadá antes de chegar a Washington em 2004 para abrir uma "seção de interesses".
Gaddafi havia acabado de renunciar às armas nucleares, o que levou o presidente George W. Bush a restabelecer relações diplomáticas.
Em 2009, Aujali, que diz não conhecer bem Gaddafi, se tornou o primeiro embaixador líbio nos EUA em 35 anos.
"Vim", disse ele, "com a grande esperança de que seremos capazes de estabelecer relação melhor".
Desde que anunciou seu rompimento com o regime, Aujali tem argumentado a quem quiser ouvir -jornalistas, senadores e até a secretária de Estado Hillary Clinton- que a Casa Branca deveria reconhecer o conselho governamental paralelo dos rebeldes. Ele insiste que Gaddafi deve ser deposto. "Com Gaddafi, nunca se pode confiar nele", afirmou.
Mas o que ele quer de imediato é que o Departamento do Tesouro libere US$ 30 bilhões que estão congelados do patrimônio líbio. "Então, poderemos manter nosso escritório, poderemos alugar um local, poderemos comprar ajuda humanitária para o nosso povo."
Mas não tão rápido, disse um funcionário do governo que falou sob anonimato a respeito da situação de Aujali.
"O Departamento de Estado aceita o sr. Aujali como representante do conselho, [mas] agora o consideramos um cidadão privado", afirmou essa fonte.
Enquanto os amigos de Aujali veem sua ruptura como um ato de coragem, alguns especialistas em Líbia apontam uma conveniência política.
"Acho que todas essas renúncias aconteceram em um momento especial, quando parecia que a oposição poderia ter uma ótima oportunidade", disse Diederick Vandewalle, cientista político do Dartmouth College, em New Hampshire, que já foi várias vezes à Líbia. "Acho que eles estavam apenas tentando proteger suas apostas."


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