São Paulo, segunda-feira, 04 de julho de 2011

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INTELIGÊNCIA

NIKOS KONSTANDARAS

Em busca da vontade para reconstruir

Desconfiança em relação ao código legal dos gregos

ATENAS
Poucas capitais ostentam um tesouro tão belo, frágil e pouco comentado quanto a floresta de ciprestes e pinheiros que se eleva sobre o caldeirão de medo e revolta que é Atenas nos dias presentes. Desde as margens orientais de um mar de cimento, passando sobre as multidões enfurecidas que protestam contra a quase falência do país, a brisa da floresta se espalha sobre a cidade febril, aliviando mesmo aqueles que nunca a visitaram.
A crise atual é a pior que a Grécia enfrenta desde a Segunda Guerra, quando o país foi devastado por uma ocupação alemã cruel, fome generalizada e uma guerra civil que só chegou ao fim em 1949. As encostas do monte Himeto foram desmatadas pelos alemães e pelos gregos em desespero. O Plano Marshall ajudou a reerguer a economia, mas foi preciso a dedicação altruísta de voluntários, o apoio dado pelo Estado a contragosto e meio século de tempo para criar a floresta fértil que hoje torna tolerável a vida em Atenas durante o verão seco e quente.
No momento em que os gregos se esforçam para imprimir uma virada a seu país e romper sua dependência aparentemente incurável do endividamento, e em que o resto do mundo se preocupa com a possibilidade de "contágio grego", a floresta de Himeto serve para lembrar quão belo é este país e como é possível realizar qualquer coisa, desde que os gregos consigam lançar mão de sua força de vontade coletiva.
A Grécia se encontra em mau estado, pois suas leis e instituições fomentam a falta de confiança entre os cidadãos e o Estado. O código legal complicado e sua aplicação inconstante encorajam a corrupção e fazem com que a polícia, as autoridades fiscais e os juízes tenham dificuldades em processar criminosos e proteger inocentes. A não ser que contem com pistolão político ou que paguem propinas para conseguir uma vantagem, os cidadãos se sentem vulneráveis.
Três medidas simples poderiam poupar dinheiro, incentivar a cidadania responsável e ajudar o desenvolvimento de nossa economia e sociedade: a simplificação do código legal e das leis tributárias, descartando a legislação atual, que é um labirinto de contradições; a redução das contribuições para a seguridade social, que, somadas aos impostos, são capazes de consumir mais de metade de cada salário e dar aos cidadãos descrentes garantias de que, a partir de agora, as leis serão aplicadas a todos, de maneira justa.
Os gregos jovens que são inteligentes e ambiciosos sentem-se esmagados pelo sistema. Mais de 40% das pessoas de até 25 anos estão desempregadas. Muitas querem deixar o país. Elas deveriam ser incentivadas a fazê-lo -pelo menos temporariamente. Em lugar de os homens jovens cumprirem serviço militar nacional, homens e mulheres deveriam ser incentivados a participar de programas de intercâmbio com gregos residentes no exterior. Viajando para o exterior, eles poderão aprender como as sociedades que funcionam administram seus sistemas legais e econômicos.
O governo precisa criar atores novos e fortes na economia -encorajando fusões de bancos, privatizando ativos estatais, criando e incentivando empresas que terão a força necessária para competir no exterior e ampliar nossa economia muito pequena.
A Turquia, nossa vizinha, vem seguindo uma política desse tipo, e, em dez anos, suas empresas passaram a estar presentes no Oriente Médio, nos Bálcãs, na Ásia central e em mais longe também. É preciso que os procedimentos de investimento e de empresas na Grécia sejam simplificados, e que seja domada a burocracia que inibe o crescimento. O governo possui, sem nada fazer com eles, ativos imobiliários no valor de € 300 bilhões, mais ou menos o montante da dívida pública. Em lugar de colocar esses imóveis no mercado para levantar dinheiro, ele vem aguardando projetos de viés ambiental que o premiê George Papandreou alardeou como sendo a pedra angular do seu governo.
As universidades particulares e sem fins lucrativos, hoje proibidas pela Constituição, deveriam ser legalizadas e desenvolvidas para atrair estrangeiros. Hospitais em destinos turísticos ou nas proximidades poderiam ser desenvolvidos para encorajar o turismo médico, que atrai ocidentais ricos a países como Índia e Hungria. A Grécia poderia construir comunidades para aposentados e atrair europeus de regiões mais frias, onde o custo de vida é mais alto.
A Grécia vem chamando a atenção do mundo por todas as razões erradas, mas essa é também uma oportunidade para ela se promover. Os gregos precisam mostrar as melhores qualidades que o país tem a oferecer -desde produtos agrícolas até nossa cultura antiga. Os vistos de turistas chineses, que hoje enfrentam uma série de obstáculos se quiserem viajar à Grécia, devem ser simplificados e incentivados. Esses visitantes asiáticos recém-enriquecidos demonstram interesse pela história e pela filosofia da Europa.
Com a ajuda de nossos amigos no exterior, nós, os gregos, precisamos reconstruir nosso país. Se seguirmos o exemplo dos voluntários que plantaram, regaram e nutriram as mudas de árvore no monte Himeto para regenerar sua floresta, poderemos, quem sabe, operar um milagre e fazer renascer a economia de um país que enfrenta um dos maiores desafios de sua longa história.

Nikos Konstandaras é editor do jornal diário grego "Kathimerini".
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