São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010

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ARTE & ESTILO

RESENHA
EDWARD ROTHSTEIN

Olhando para o sul no passado de Nova York

NOVA YORK - Você entra na exposição "Nueva York (1613-1945)" sentindo-se bastante seguro de suas coordenadas geográficas, mas, depois de ver um acúmulo incomum de artefatos, sai sentindo-se menos certo, curioso, contestado.
Em vez de enxergar a cidade e seu passado pelo eixo Oriente-Ocidente, e seus conflitos e cultura por meio das interações com colonizadores e imigrantes nascidos na Europa, a exposição que está no El Museo del Barrio, em Manhattan, faz nossa atenção descrever um desvio de 90 graus, levando-nos a olhar pelo eixo Norte-Sul, em direção ao continente latino-americano.
É também por esse eixo que a imigração e a influência cultural se acumularam em décadas recentes, levando a uma presença hispânica crescente na cidade e na vida americana.
Os holandeses, ficamos sabendo, se interessaram por Nova Amsterdã não apenas devido às peles e à madeira -eles também estavam combatendo a influência de seus inimigos, os espanhóis, cujo império no hemisfério ocidental era vasto. Vemos até mesmo alguns exemplos dos tesouros espanhóis que suscitaram essa rivalidade tão grande.
Minas de prata na Bolívia de hoje produziram lingotes semelhantes a um que está exposto aqui. Em meados do século 16, os espanhóis já tinham dominado até mesmo o mercado de cochonilhas mexicanas, insetos que eram moídos para a produção de tintas e tinturas, gerando os vermelhos e carmesins suntuosos da Europa renascentista.
Os britânicos também tiveram rivalidades em mente quando converteram Nova Amsterdã em Nova York: o poderio espanhol era o grande inimigo, e os britânicos compartilhavam com os holandeses a rejeição pela cultura católica espanhola. Um grupo de judeus vindos do Brasil foi autorizado, com relutância, a fixar-se em Nova Amsterdã, mas não foi permitida a construção de igrejas católicas.
A Revolução Americana marcou uma virada. Em oposição à Grã-Bretanha, as colônias atraíram apoio da Espanha, que, em troca, foi reabilitada. Em 1786 foi erguida a primeira igreja católica de Nova York, a igreja St. Peter's, na Barclay Street, em Lower Manhattan.
Mas os ideais revolucionários também inspiraram contestações do poderio espanhol. Em 1784, o venezuelano Francisco de Miranda chegou a Nova York para pedir assistência para a luta "pela liberdade e independência de todo o continente hispano-americano". Seu empreendimento fracassou, deixando a outros, como o argentino José de San Martín e o venezuelano Simón Bolívar, o encargo de liderar guerras de independência.
Ficamos sabendo, na exposição, de uma celebração da independência sul-americana que teve lugar no City Hotel, em Nova York, em 23 de março de 1825.
Mas o comércio deve ter exercido papel importante nesse apoio. O distrito do Brooklyn tornou-se o centro mundial de refino da cana-de-açúcar sul-americana.
No século 19, novas comunidades imigrantes se formaram em Nova York. Eram pequenas -no início da década de 1860 havia cerca de 1.300 espanhóis e latino-americanos vivendo em Nova York-, mas cresceram.
Intelectuais e políticos se somaram aos mercadores.
As revoluções latino-americanas do século 19 davam a impressão de começar em Nova York, com muitas pessoas fugindo da opressão em Cuba e Porto Rico. Uma bandeira vermelha, branca e azul hasteada na exposição é uma reprodução da bandeira hasteada pelo jornal "The Sun" em 1850: estava destinada a tornar-se a bandeira de uma Cuba independente, apesar de a intenção ter sido servir de chamado pela conquista da ilha.
Quando chegamos ao fim da exposição, percebemos que, mesmo que não houvesse ocorrido uma transformação demográfica, não haveria como entender a história da cidade ou a história da América do Sul sem o eixo Norte-Sul.
O que não fica claro é até que ponto esse eixo mudou na segunda metade do século 20, sob as pressões da imigração.
Embora a exposição se encerre tecnicamente em 1945, um filme criado para ela por Ric Burns pretende preencher o que ficou faltando. O filme inverte a narrativa usual sobre a imigração, atribuindo o influxo migratório atual aos efeitos das políticas dos EUA sobre os países de origem dos imigrantes. O filme está sendo exibido em uma instalação de arte intitulada "From Here to There", criada por Antonio Martorelli: um falso avião que lembra os que trouxeram porto-riquenhos para Nova York nos anos 1940 e 1950.
As afirmações do filme são especialmente incômodas em vista do que já descobrimos. Em momento algum da exposição se afirma que a história do eixo Norte-Sul tenha sido destituída de problemas ou que qualquer de seus atores tenha sido unilateralmente benevolente, mas, mesmo assim, essa é uma história de inspiração política, energia mercantil e interação cultural.


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