São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010

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ENSAIO
JOE NOCERA

"Wall Street", o retorno: a crise seguinte da cobiça

Oliver Stone, 23 anos atrás, criou o mais memorável de todos os filmes sobre negócios e finanças: "Wall Street - Poder e Cobiça", que captou uma era e um etos. Agora, o diretor de viés esquerdista e fala sem rodeios estava tentando explicar seu novo filme, "Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme", que não é a versão ficcional a respeito da crise financeira de 2008 que eu esperava.
"Simplesmente, não sei como mostrar um 'credit default swap' (seguro contra calote) na tela", disse Stone.
A intenção, ele insistiu, era que a crise fosse apenas o pano de fundo de uma história sobre um punhado de pessoas "complexas" -entre elas um Gordon Gekko mais velho e mais sábio-, que por mero acaso estavam operando em Wall Street por volta de setembro de 2008.
"As pessoas não vão assistir a um filme sobre negócios", disse Stone. Quanto mais ele protestava, mais soava como alguém que não conseguiu realizar o que pretendera.
O "Wall Street" original criou imagens indeléveis: Gordon Gekko (representado com vigor delirante por Michael Douglas) gritando ordens de compra e venda que ditavam o sucesso ou a quebra de empresas e competidores.
Seu acólito, Bud Fox (Charlie Sheen), que ganha o apreço de Gekko por lhe fornecer informações privilegiadas. O famoso discurso de "a cobiça é boa" que Gekko faz para os infelizes diretores de uma empresa que se tornara sua presa mais recente.
O "Wall Street" original, Oliver Stone me disse, "era sobre um rapaz que trai seu pai". É verdade. Mas os fatos que caracterizaram Wall Street na década de 1980 foram muito mais que um simples pano de fundo -foram cruciais para a trama do filme. O filme girou em torno de negociações de ações com base em informações privilegiadas e as ações predatórias do movimento de aquisição hostil de companhias.
Ivan Boesky, que cumpriu pena de prisão por negociar ações com informações privilegiadas, foi quem fez o discurso original da "cobiça é uma coisa boa". Michael Milken, que foi a inspiração parcial do personagem Gekko, foi conhecido como "rei dos 'junk bonds'" (títulos de dívida de alto rendimento e alto risco) e financiou o movimento das aquisições hostis de empresas.
Muitos dos personagens -e das empresas- de "Wall Street - O Dinheiro Nunca Dorme" representam pessoas e companhias reais. O personagem de Frank Langella é baseado em Jimmy Cayne, ex-executivo-chefe do banco Bear Stearns. Josh Brolin, que representa o vilão da história, comanda a Churchill Schwartz, inspirada no Goldman Sachs, e tira proveito de seus concorrentes de maneira implacável. E, embora Michael Douglas tenha retornado como Gordon Gekko, ele passa boa parte do filme prevendo o cataclismo que estava por vir.
O problema é que, salvo raras exceções, os personagens apenas falam sobre as coisas que ajudaram a levar o sistema financeiro do mundo à beira do abismo. Os sermões de Gekko possuem um quê de coro grego, descrevendo eventos cruciais que nunca chegamos a ver. Em lugar disso, a trama gira em torno dos esforços de um jovem banqueiro de investimentos, Jake Moore (Shia LaBeouf), para conseguir financiamento para uma empresa séria de energia limpa.
Os fatos que aconteceram em Wall Street entre o verão americano de 2007 e o outono de 2008, quando a sobrevivência de até mesmo o poderoso Goldman Sachs ficou em dúvida, foram dramáticos por si sós. Boa parte das negociações que aconteceram no prelúdio da crise foram completamente destituídas de qualquer virtude redentora. Havia vilões em abundância. Teria realmente sido impossível criar um roteiro de filme a partir desse material?
Olaf Rogge, grande administrador financeiro em Londres que prestou assessoria ao filme, disse que ficou decepcionado. "Ele deixou passar uma grande oportunidade", disse Rogge, falando do diretor. "Poderia ter mostrado que ficamos a cinco minutos da quase anarquia."
Pode ser um pouco injusto criticar um diretor por não fazer o filme que você esperava que ele fizesse.
Mas o fato é que Oliver Stone olhou a crise diretamente nos olhos -e piscou.


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