São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2010

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LENTE

A tecnologia deixará a humanidade para trás?

Em 1624, A "Nova Atlântida" de Sir Francis Bacon imaginava um tempo em que uma tecnologia fantástica, incluindo navios motorizados e máquinas voadoras, contribuiriam para uma sociedade humana perfeita.
Quase dois séculos depois, em 1818, Mary Shelley publicou "Frankenstein", uma advertência arquetípica da alvorada da Era Industrial sobre o que pode acontecer quando a ciência enlouquece.
Visões opostas da tecnologia disputaram a imaginação popular durante eras, mas ultimamente a de Mary Shelley parece estar superando a de Francis Bacon. Os desastres criados pela tecnologia descontrolada -sejam esquemas de corretagem complexos via computador em Wall Street ou poços de petróleo em águas profundas no golfo do México- fazem o Dr. Frankenstein parecer inocente.
Timothy Egan, escrevendo no "New York Times", comparou a impotência que as pessoas sentem observando as intermináveis imagens do petróleo que vaza no fundo do mar com o filme "Apollo 13". Aquela crônica de um quase desastroso voo à Lua em 1970 mostrava como uma equipe de astronautas e cientistas encontrou soluções criativas para problemas terríveis que ameaçavam a vida.
"No voo real, como no filme, nossos rapazes estenderam uma linha salva-vidas até seu módulo lunar e usaram a pouca energia que tinham em um tiro de precisão para colocar a pequena espaçonave no rumo de volta à Terra", escreveu Egan.
Observando o desastre no golfo, acrescentou: "Pergunto-me o que terá acontecido com a engenhosidade americana".
Mas a fé na tecnologia contribuiu para a calamidade no golfo. Como escreveu Elizabeth Rosenthal no "Times", a atitude de "vale-tudo" da indústria de petróleo gerou a crença de que a tecnologia pode solucionar qualquer problema, mesmo bombear petróleo a quilômetros de profundidade no oceano.
Alguns cientistas temem que um futuro distópico ainda mais sombrio seja causado pela tecnologia. As máquinas inteligentes, eles preveem, ou escravizarão seus criadores humanos ou nos eliminarão em uma guerra desastrosa.
Outros postulam uma "era pós-humana". Parece bastante terrível. Mas também há os otimistas, na grande tradição de Francis Bacon. Como escreveu Ashlee Vance no "Times", pensadores de vanguarda no Vale do Silício estão se preparando para A Singularidade, ponto em que as máquinas se tornam conscientes e os humanos se fundem com elas, resultando em uma "tecno-utopia".
"Seres humanos e máquinas", escreveu Vance sobre A Singularidade, "vão se fundir de maneira tão tranquila e elegante que a doença, a velhice e até a morte serão coisas do passado".
Daqui a mil anos? Ou apenas algumas décadas? Os adeptos da teoria, incluindo o inventor e futurista Raymond Kurzweil e Sergey Brin e Larry Page, do Google, acreditam que a inovação neste século vai se acelerar a ponto de que a vida como a conhecemos, com suas provações, seus desafios e seus terríveis vazamentos de petróleo, desaparecerá lentamente.
Mas, então, quando os "tecno-utópicos" sonham, o fantasma de Mary Shelley nunca está muito distante. Outros especialistas imaginam A Singularidade como um futuro em que "os seres humanos se dividem em duas espécies: os Que Têm, dotados de inteligência superior e capazes de viver centenas de anos, e os Que Não Têm, prejudicados por suas formas corpóreas e valores antiquados".
Ou, como disse o jornalista britânico Andrew Orlowski, que escreve sobre tecnologia: "A Singularidade não é a grande visão para a sociedade que Lênin teve ou Milton Friedman poderia ter. São os ricos construindo um bote salva-vidas e abandonando o navio".
KEVIN DELANEY


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