São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2010

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TENDÊNCIAS MUNDIAIS

Guerra ao terror parece criar mais terroristas

SCOTT SHANE
ENSAIO

WASHINGTON - A atenção dos EUA voltou-se no mês passado ao drama dos generais: Stanley McChrystal, cujas indiscrições na revista "Rolling Stone" levaram a seu afastamento, em 23 de junho, e seu chefe, David Petraeus, que assumiu seu lugar no comando do esforço de contrainsurgência no Afeganistão.
Mas uma cena espantosa vista em um tribunal de Manhattan, em 21 de junho, talvez tenha mais a dizer que a mudança no alto comando sobre a luta para conter a Al Qaeda e seus aliados e sobre os limites da capacidade de qualquer general de afetar os resultados dessa luta.
Em audiência no tribunal, Faisal Shahzad admitiu ter tentado explodir um veículo na Times Square em 1° de maio. Dizendo-se "um soldado muçulmano", explicou sua motivação: "vingar-se" da Guerra do Afeganistão e das intervenções dos EUA em Paquistão, Iraque, Iêmen e Somália.
"Faço parte da resposta ao terror infligido pelos EUA contra nações muçulmanas e o povo muçulmano", disse.
Sua confissão franca levantou duas perguntas: a luta ainda em expansão das Forças Armadas americanas contra o terrorismo tornou-se agora combustível do próprio terrorismo, algo que recruta mais militantes do que os que mata?
E onde a guerra afegã se enquadra na campanha maior contra o terror, quando a causa do inimigo é capaz de atrair um homem como Shahzad, ex-analista financeiro em Connecticut e cidadão americano naturalizado?
As perguntas ganham urgência especial porque o atentado fracassado de Shahzad foi a mais recente em uma dúzia de conspirações lançadas desde o ano passado contra alvos americanos. E os responsáveis citaram o envolvimento militar crescente dos EUA no mundo muçulmano como prova de que Washington está em guerra com o islã.
A estratégia de Barack Obama para o Afeganistão ainda tem o apoio de democratas e republicanos, além de especialistas externos, que oferecem uma explicação familiar.
Agora que o Taleban voltou a tomar a iniciativa, dizem autoridades, só um esforço concentrado da Otan poderá impedir sua volta ao poder, o que garantiria uma possível nova base para a Al Qaeda.
"Mesmo na era da realidade virtual, a Al Qaeda não pode fazer treinamento e mobilização em grande escala se não controlar algum terreno", disse Max Boot, membro sênior do Council on Foreign Relations e partidário da política atual.
Se a rede terrorista atrai muçulmanos jovens hoje, disse ele, imagine a atração que exerceria se a Otan abandonasse o campo de guerra.
"Seria uma enorme derrota simbólica dos EUA, como foi da União Soviética", disse Boot. "Isso imbuiria a Al Qaeda de nova ousadia." Os proponentes da escalada atual observam, também, que mesmo Shahzad não foi convertido em terrorista unicamente pela internet. Ele havia tido encontros com líderes e treinadores do Taleban paquistanês antes de optar pela violência. Ou seja, dizem autoridades, permitir que extremistas tenham mais espaço para operar de qualquer um dos lados da fronteira afegã-paquistanesa seria um erro grave. Mesmo assim, muitos estudiosos do terrorismo enxergam os riscos e benefícios sob ótica diferente.
"Quanto mais nos envolvermos nessa região, maior é a probabilidade de enfrentarmos ataques terroristas [nos EUA}", disse Scott Atran, que entrevistou muçulmanos jovens sobre a atração exercida pelo terrorismo para escrever o livro "Talking to the Enemy: Faith, Brotherhood, and the (Un)Making of Terrorists" (Falando com o inimigo: fé, irmandade e (des)fazendo terroristas).
"Esses jovens perdidos veem a resistência como algo glorioso e heroico", disse Atran. "Não devemos lhes proporcionar a emoção de combater o maior Exército do mundo."
Os acusados em conspirações recentes contra os EUA parecem ter se imaginado como guerreiros que combatem os inimigos de sua fé. Mas o caminho que leva à violência parece envolver mais solidariedade que textos religiosos. "Nós, muçulmanos, somos uma só comunidade", disse Shahzad ao juiz em sua audiência.
Ao mesmo tempo em que Obama enfrentou o problema com McChrystal com calma e reafirmou seu comprometimento com sua política no Afeganistão, o "New York Times", em relato recebido em 25 de junho, tomou conhecimento de manobras diplomáticas entre líderes afegãos e paquistaneses que podem resultar em uma paz separada, potencialmente deixando os generais americanos com 100 mil soldados e ninguém para combater.
O problema do terrorismo é o que teóricos chamam de assimetria. Centenas de bilhões de dólares, soldados e os melhores generais do planeta podem ser solapados por um contador revoltado, comandando a atenção do mundo com uma bomba que nem explodiu.


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