São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

inteligência

Roger Cohen
Partido alemão em turbulência

Berlim
Façamos luto por um grande partido europeu. Fundado em 1869, os social-democratas alemães (SPD) há muito desempenham um papel central na política do país e simbolizam o compromisso entre capital e trabalho evidente na economia alemã "social de mercado". Hoje, o SPD enfrenta uma crise existencial.
Digo isso não porque acredite que a social-democracia esteja prestes a desaparecer na Alemanha, mas porque a eleição de 27 de setembro demonstrou que o fim da Guerra Fria e da divisão da Alemanha deixou o SPD atônito e sem direção. Ele não pode mais sobreviver na sua forma atual.
Ver a votação dos social-democratas despencar para 23%, seu pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial, e mais de 11 pontos percentuais abaixo da sua marca de 2005, foi testemunhar o esfacelamento de 1 dos 2 grandes "partidos populares" que forneceram os alicerces da estabilidade alemã do pós-guerra. O outro, a União Democrata-Cristã, da chanceler (premiê) Angela Merkel, navegou com maior habilidade pela unidade alemã.
É bastante fácil apontar problemas de liderança no SPD. Frank-Walter Steinmeier sempre pareceu um burocrata disfarçado de político. Ele melhorou no decorrer da campanha, mas, quando vi o público do seu comício de encerramento em Berlim -cerca de 500 desanimadas pessoas-, soube que o jogo terminara.
Esse infeliz jogo começou antes de Steinmeier assumir o partido. Ele remonta à unificação alemã, quando o fim da Alemanha Oriental despejou na república expandida milhões de alemães criados sob o socialismo do Estado-satélite soviético. Esses recém-chegados jamais encontraram um lar no SPD. Em vez disso, o velho Partido da Unidade Socialista alemão-oriental gradualmente se metamorfoseou na Die Linke (A Esquerda).
Esse partido, liderado pelo carismático Oskar Lafontaine, egresso do SPD, conseguiu fundir as nostálgicas simpatias do Estado comunista com o sentimento de esquerda radical do Ocidente, para formar uma plataforma populista de taxação dos ricos, pacifista, anti-Otan (aliança militar ocidental) e pró-trabalhadores.
A Die Linke obteve 11,9% dos votos, tornando-se o quarto maior partido da Alemanha, à frente dos Verdes. Assim, demonstrou as atuais divisões devastadoras do sentimento alemão à esquerda do centro, e revelou o preço que os social-democratas pagaram por sua postura pró-mercado nos últimos anos. Ao aderir à "grande coalizão" com a CDU, que governou a Alemanha nos últimos quatro anos, o SPD completou o esvaziamento da sua identidade.
É hora de o SPD e A Esquerda barganharem. Eles precisam de uma eventual fusão ou de um compromisso que formalize a aceitação pelo SPD de que A Esquerda é um possível parceiro. Os dois partidos já começaram a trabalhar juntos em governos locais -onde A Esquerda demonstra pragmatismo e algum afastamento dos seus slogans tresloucados-, mas o SPD rejeitou tal parceria em nível nacional.
Tal recusa tem raízes numa história venenosa. Rosa Luxemburgo rompeu com os social-democratas para formar o Partido Comunista antes de ser morta, em 1919, sob o governo de um chanceler do SPD. No pós-guerra, os soviéticos forçaram os social-democratas do Leste a se fundirem com os comunistas.
Suspeitas entre os partidos abundam. Mas devem ser superadas. O bom do nascimento de um governo alemão de centro-direita é que ele deixa os campos claros e oferece ao SPD uma chance de se reimaginar na oposição. Nenhuma democracia se beneficia da ausência de uma escolha real. Como outros partidos centro-esquerdistas europeus, na França, na Itália e na Espanha, os social-democratas precisam de nada menos do que uma reinvenção.
Há um histórico de concessões na esquerda. Quando os Verdes surgiram, eram pacifistas, anti-Otan e todo o resto. Mas renunciaram a posições mais extremistas para entrar no governo. Um acordo entre o SPD e A Esquerda é possível. Sem ele, o SPD pode seguir o caminho de outro grande partido governista que não sobreviveu ao fim da Guerra Fria: os democratas-cristãos italianos.


Envie comentários para intelligence@nytimes.com



Texto Anterior: TENDÊNCIAS MUNDIAIS
Militantes paquistaneses seguem ativos

Próximo Texto: Líder somali luta por legitimidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.