São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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Líder somali luta por legitimidade

Por JEFFREY GETTLEMAN

MOGADÍCIO, Somália - Dos portões da Villa Somalia, o palácio presidencial no alto de uma colina, a capital arruinada do país quase parece pacífica. Após quase duas décadas de guerra civil, há muito pouca poluição, pois praticamente toda a indústria da Somália foi arrasada. Poucos carros continuam na cidade e relativamente poucas pessoas, porque centenas de milhares fugiram recentemente. É uma calma surreal, exceto pelo disparo ocasional de um rifle de alta potência.
O presidente Sheik Sharif Sheik Ahmed está sentado atrás de sua mesa, com um terno risca-de-giz, chapéu de oração e óculos de grife. Ele é cercado por inimigos e, por isso, guardado 24 horas por dia por soldados de Uganda. Nas raras ocasiões em que o presidente deixa o palácio, eles o levam até o aeroporto em um caminhão militar blindado.
Mas, pela primeira vez em décadas -incluindo 21 anos de ditadura e os 18 anos de caos que se seguiram-, o líder da Somália tem ao mesmo tempo um amplo apoio popular no país e extensa ajuda de outras nações, segundo analistas e muitos somalis.
"Este governo enfrentou obstáculos sem paralelos", disse Sheik Sharif, ex-professor escolar que se tornou presidente em fevereiro. "Tivemos de enfrentar grupos terroristas internacionais que causaram devastação em outros lugares. Seu plano era derrubar o governo logo depois da posse. O governo provou que era capaz de durar."
Grande parte do mundo está contando com Sheik Sharif para atacar a pirataria e conter a disseminação da militância islâmica, dois problemas somalis que se transformaram em grandes desafios geopolíticos. A Al Qaeda parece estar se aproximando dos rebeldes somalis em uma tentativa de transformar o país numa rampa de lançamento para a jihad global. Após anos de ambivalência sobre a Somália, os EUA estão assumindo um papel cada vez mais ativo ali e recentemente enviaram 36 toneladas de armas para manter vivo o governo de Sheik Sharif.
Mas suas Forças Armadas não são confiáveis. Muitos comandantes ainda têm ligações com a Al Shabab, grupo insurgente islâmico, que segundo os EUA, se uniu à Al Qaeda para derrubar o governo de Sheik Sharif, e autoridades admitiram que uma grande parte das armas americanas foi parar nas mãos da Al Shabab.
Se não fosse pelos 5.000 soldados da União Africana que guardam o porto, o aeroporto e o palácio presidencial, muitos somalis acreditam que o governo cairia rapidamente.
"Não seria questão de dias", disse Asha A. Abdalla, membro do Parlamento, "mas de horas".
Sheik Sharif é um político novo na Somália. Para começar, é um político. Durante décadas, generais e chefes guerreiros reduziram a ruínas esse país litorâneo que já foi muito tranquilo.
Sheik Sharif Sheik Ahmed, 43, está habituado a carregar uma bússola, e não uma arma. Estudioso e reservado, ele descobriu o que parece ser o centro político da Somália, uma mistura de crenças islâmicas moderadas e mais radicais, com ênfase à religião, e não ao clã. Para ajudar, reuniu um impressionante banco de cérebros de somalis-americanos, somalis-canadenses e somalis-europeus com doutorados, para ajudar a reconstruir seu país.
Mas cada dia que Sheik Sharif passa em seu palácio, enquanto milhões de pessoas passam fome por causa da seca, a euforia que recebeu sua ascensão se transforma em cinismo.
A Villa Somalia é segura, mas o resto de Mogadício, a capital, é uma armadilha mortífera de assassinatos, minas terrestres e violência. Morteiros perdidos habitualmente decepam braços e pernas de crianças.
O Al Shabab hoje controla a maior parte da capital e do país. Ele é muitas vezes chamado de Taleban somali, pois corta as mãos dos ladrões e recentemente começou a arrancar os dentes das pessoas, dizendo que obturações de ouro não são islâmicas.
Na verdade, o Al Shabab tem seus desertores e talvez esteja perdendo apoio crítico. Dois jovens que recentemente abandonaram o grupo disseram que o canal que abastece o Al Shabab de dinheiro, que costumava fluir de somalis ricos fora do país, está secando, enquanto mais somalis apoiam Sheik Sharif.
Funcionários de ONGs disseram que o Al Shabab está cobrando impostos pelos alimentos em seu território, medida muito impopular quando os preços dos alimentos já estão altos por causa da seca.
"Isto realmente tem a ver com corações e mentes", disse Ahmed Abdisalam, vice-primeiro-ministro do último governo somali. "Este governo precisa alcançar o público. Se [o governo] conseguir se unir ao público, o Al Shabab não conseguirá sobreviver."
Nas ruínas do país, ex-professor dirige uma frágil coalizão

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