São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

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Desempregados no Japão aprendem arte do protesto

Por HIROKO TABUCHI

TÓQUIO
Um grupo de jovens se reuniu recentemente em um parque da capital japonesa. Segurando cartazes e megafones, eles entoaram slogans condenando o governo japonês e a falta de empregos e oportunidades.
A cena, que se repete com frequência no decadente bairro de Koenji, em Tóquio, não chega perto dos protestos que abalaram o Irã recentemente. Na verdade, os protestos dificilmente provocariam reações na maior parte do mundo, mas no Japão, que valoriza o conformismo, representam um claro distanciamento da norma. Desde os anos 1960, quando os protestos da juventude se tornaram violentos, até a forma mais branda de manifestação jovem era vista como um tabu.
Mas a dor da recessão está mudando isso, dando origem a um novo ativismo entre os jovens japoneses, há muito tempo considerados apáticos. "Estou aqui porque quero mudar a sociedade", gritava recentemente para uma plateia de cerca de 50 pessoas Yoshihiro Sato, 28. "Vocês querem se unir a mim?"
Diferentemente da geração dos anos 1960, que agitava para mudar a base burguesa da sociedade japonesa, Sato e outros jovens hoje lutam para entrar nela. Pedem mais oportunidades profissionais, mais estabilidade no emprego e uma rede de segurança social mais forte.
Depois de tantas décadas sem um movimento de base, os protestos são tão raros ali que muitos participantes precisam de treinamento básico.
O Centro de Pesquisas Ásia-Pacífico, baseado em Tóquio, instituto que costuma oferecer seminários sobre questões sociais e sobre pobreza, organizou a marcha recente. Depois de um surto de interesse de jovens que disseram querer participar mais das questões sociais, o centro começou a oferecer o que, segundo diz, é o primeiro programa de treinamento de ativistas do Japão. As sessões incluem a elaboração de cartazes e campanhas na internet.
"Quando terminarmos, vamos arrasar o Japão com manifestações", disse Seiko Uchida, chefe do centro de pesquisa, a uma multidão.
Isso pode ser uma hipérbole, mas a economia deteriorada afetou indiscutivelmente os jovens mais que qualquer outro grupo demográfico. O desemprego foi de 9,6% em abril para os japoneses entre 15 e 24 anos, comparado com 5% no total.
Mas os benefícios ao desemprego e a assistência social são raros no Japão. E os gastos do governo são mais dirigidos para aposentadorias e saúde dos eleitores mais velhos, em vez de programas que poderiam treinar jovens trabalhadores ou ajudá-los a sustentar suas famílias.
No primeiro trimestre deste ano, a economia japonesa encolheu devastadores 14,2%, enquanto as exportações despencaram por causa da desaceleração econômica global.
Muitos dos que perderam os empregos eram jovens em cargos temporários precários, produto de uma década de desregulamentação. A disparidade alimentou o atrito entre gerações, especialmente entre aquelas que colheram os frutos do rápido crescimento do país no pós-guerra e os japoneses mais jovens, que amadureceram na "década perdida" do Japão, os anos 1990, quando o crescimento econômico estagnou, e durante sua anêmica recuperação.
Quando companhias como Canon e Toyota começaram a demitir trabalhadores temporários, no final do ano passado, um punhado deles protestou publicamente, confrontando os diretores nos portões da fábrica, muitas vezes diante de câmeras de TV. Outros abriram processos contra ex-empregadores.
Hoje os trabalhadores estão correndo para se sindicalizar, e o Partido Comunista japonês diz que recebe cerca de mil novos membros por mês, muitos deles jovens decepcionados.
Masahiro Mukasa fundou em dezembro um sindicato para artistas e músicos independentes, para ajudar os membros a negociar com empregadores abusivos. "As pessoas acham que os músicos apenas se divertem. Mas também precisamos ganhar a vida", disse Mukasa. "Quero mostrar que nossas vidas estão em jogo nesta economia ruim."
Ainda assim, a maioria dos japoneses continua profundamente avessa ao confronto e ao protesto. "Os japoneses sentem que é vergonhoso se envolver em manifestações", disse Makoto Yuasa, antigo ativista. "Muitos ainda olham para nós com suspeita, como se estivéssemos fabricando bombas." Mas, "esta é a mais significante ascensão do ativismo que vi em muitos anos", disse Yoshitaka Mouri, professor da Universidade de Artes de Tóquio, que vem acompanhando a crescente cultura de protesto.
Alguns especialistas questionam quanta influência política os manifestantes terão. Os jovens são superados em número pelos eleitores mais velhos e se concentram nas cidades, onde as votações têm menos peso proporcionalmente do que no campo, de população escassa.
Para conter a raiva crescente, o governo aumentou os gastos em programas para jovens. Em seu último pacote de estímulo econômico, o premiê Taro Aso prometeu 1,9 trilhão de ienes (R$ 38 bilhões) em programas para aumentar o emprego entre jovens. Ele também pediu que as empresas elevem os trabalhadores temporários à situação de pleno emprego. Esses atos pouco fizeram para mudar as questões econômicas.
Por enquanto, o público tem certa simpatia pelos manifestantes, e os comícios recebem cobertura da mídia local.
"Eu apoio esses jovens", disse o comerciante Masaaki Saito, 60, que participou de protestos estudantis quando jovem.
"A juventude do Japão está recuperando sua voz."


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