São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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DUAS ECONOMIAS, REMÉDIOS DIFERENTES

Nos EUA, não há remédio à vista

NOS EUA Os especialistas esgotaram muitas de suas prescrições para uma economia em dificuldades. Mas temem que algumas curas possam causar novos problemas, como inflação ou deflação. A incerteza reina em Wall Street

Por PETER S. GOODMAN
Durante mais de uma década, a economia global foi alimentada por gastos monumentais financiados por alguns surtos de investimentos nos EUA: a explosão da internet na década de 1990 e depois a exuberância do mercado imobiliário. Enquanto os preços das casas disparavam, os proprietários faziam empréstimos contra esses valores crescentes, distribuindo seus dólares para comerciantes de móveis em shopping centers suburbanos e fábricas de móveis na China.
Mas o colapso dos preços dos imóveis americanos, juntamente com os declínios imobiliários em países como Irlanda e Espanha, cortou essa artéria de financiamento. Os proprietários de casas não podiam pedir emprestado e cortaram os gastos, encolhendo as vendas das empresas e provocando demissões.
No início deste ano, alguns economistas declararam que o ciclo estava finalmente se acertando. As empresas reabasteciam seus estoques, gerando um modesto aumento dos empregos nas fábricas. Floresciam as esperanças de que esses novos salários pudessem ser gastos de maneiras que levassem à contratação de mais trabalhadores -um ciclo virtuoso.
Mas a economia americana, há muito tempo o motor do crescimento global, está novamente se inclinando para o perigo. Apesar de um regime de tratamentos agressivos, há crescentes temores de uma segunda recessão.
Mesmo enquanto os sinais vitais enfraquecem -a queda da venda de casas, o mercado de trabalho árido e, no final de agosto, a confirmação de que o índice trimestral de crescimento econômico desacelerou para 1,6%-, há uma sensação predominante de que os formuladores de políticas do governo não podem produzir uma intervenção significativa. Isso porque quase qualquer cura proposta correria o risco de aumentar a dívida nacional -uma impossibilidade política, diante das próximas eleições em novembro.
A drástica expansão da dívida -que começou no governo Bush, através de grandes cortes fiscais e duas guerras- aumenta os temores de que um dia os credores como a China e o Japão possam exigir taxas de juros bem mais altas para financiar os gastos americanos. Essas taxas se espalhariam pela economia e infligiriam o inverso da deflação: a inflação, ou o aumento de preços, enquanto os comerciantes perdem a fé na santidade do dólar e exigem mais dólares em troca de petróleo, produtos eletrônicos e outros artigos.
Até agora aconteceu o inverso. Enquanto os investidores perdem a fé em imóveis e ações, correm para os títulos de poupança do governo, mantendo taxas de juros excessivamente baixas. Mas a inflação preocupa as pessoas que controlam o dinheiro, como os governadores do Fed. O Fed vem buscando uma saída graciosa de suas intervenções, mas as recentes notícias econômicas perturbadoras atrasaram esses planos.
Foi a isso que a Grande Recessão levou a maior economia do mundo, a uma grande ambiguidade sobre o que há pela frente e o que pode ser feito hoje. A crescente impressão de uma economia debilitada combinada com uma série de opções políticas revigorou as preocupações de que os EUA corram o risco de mergulhar no tipo de estagnação econômica que capturou o Japão durante sua chamada Década Perdida, nos anos 1990.
Então, como hoje, os problemas começaram quando um frenesi especulativo imobiliário terminou, deixando os bancos afogados em dívidas. A crise foi aprofundada pela indecisão política.
"De muitas maneiras, podemos nos ver quase certamente em um mal-estar no estilo japonês", disse o economista prêmio Nobel Joseph Stiglitz, que acusou o governo Obama de subestimar os perigos que pairam sobre a economia. "É realmente difícil ver o que nos fará sair disso."
Os anos de dificuldades do Japão foram agravados pela deflação, um mal que atacou os EUA durante a Grande Depressão. Enquanto a queda dos preços pode ser boa notícia para quem precisa de carros, casas e outros produtos, uma queda sustentada e ampla desencoraja as empresas de investir e contratar. Menos trabalho e salários menores se traduzem em menor poder aquisitivo, o que reforça a predileção contra a contratação e o investimento -uma espiral descendente.
A deflação é, ao mesmo tempo, sintoma e causa de uma economia cujo funcionamento básico estagnou. Ela reflete muitos bens e serviços no mercado, sem pessoas suficientes para comprá-los.
A Alemanha, que há muito tempo abriga temores fortes de inflação, saiu-se relativamente bem na atual crise, sem grandes gastos em estímulos, e essa experiência é citada hoje pelos adeptos da austeridade.
Mas pode-se argumentar que os alemães tinham duas vantagens em relação aos americanos: uma rede de segurança social mais extensa para dar mais dinheiro aos consumidores e uma base industrial vibrante para produzir mais artigos de exportação.
Hoje, a trajetória plana dos preços na economia americana está causando temores de deflação.
A maneira básica de atacar a deflação é injetar crédito na economia, dando aos consumidores relutantes a capacidade de gastar. O principal combatente da deflação é o Federal Reserve, que tradicionalmente ajusta uma taxa de juros de referência overnight para os bancos que influencia os juros dos empréstimos de carros, hipotecas e outras formas de crédito. O Fed puxou essa alavanca há muito tempo, e manteve sua taxa-alvo perto de zero.
O Fed também aliviou os bancos americanos de investimentos problemáticos, muitos deles ligados a hipotecas, dando espaço aos bancos para fazer novos empréstimos.
A maioria dos economistas elogia o Fed por enfrentar a chance de nova depressão. Mas ele aumentou as dívidas do país, provocando conversas de que estava testando a fé global no dólar.
A maioria dos economistas acredita que a austeridade é o remédio errado para a economia americana. Primeiro, eles argumentam, tome o remédio e afaste a ameaça letal; depois, trate os problemas colaterais.
Seis meses atrás, Alan Blinder, ex-vice-presidente do Fed e hoje economista na Universidade Princeton, Nova Jersey, descartou a ideia de que o sistema político dos EUA permitiria que o país mergulhasse em um pântano no estilo japonês. Hoje, diz, uma década perdida espreita como "um risco muito maior".
No final do mês passado, o presidente do Fed, Ben S. Bernanke, deu garantias de que ele ainda tinha terapias poderosas para usar se as condições piorassem. "A questão nessa etapa não é se temos os instrumentos para ajudar a sustentar a atividade econômica e proteger contra a deflação", disse. "Nós temos." E acrescentou: "A questão é na verdade se em qualquer conjunção dada os benefícios de cada instrumento, em termos de estímulo adicional, supera o custo ou os riscos associados a usar o instrumento".
O Tesouro teme que forçar bancos a assumir prejuízos poderia enfraquecê-los e apresentar o risco de nova crise. Como padrão, o avanço tentativo surgiu como prescrição do momento.


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