São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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DINHEIRO & NEGÓCIOS

Milho transgênico cria conflito no campo italiano

Por ELISABETH ROSENTHAL
VIVARO, Itália - Giorgio Fidenato declarou guerra ao governo italiano e aos grupos ambientalistas em abril, ao plantar seis sementes de milho transgênico.
As sementes, chamadas MON810, são modificadas para que o milho produza uma substância química que mata as larvas da broca do milho, uma peste devastadora. Embora a União Europeia autorize o plantio dessa semente específica, a Itália exige que os produtores obtenham uma permissão especial para qualquer cultivo transgênico -e o Ministério da Agricultura jamais disse sim.
"Não tínhamos escolha senão a desobediência civil -essas sementes são legais na Europa", disse o agrônomo Fidenato, 49.
Quatro anos após um painel da Organização Mundial do Comércio concluir que as políticas da UE representavam uma "moratória de fato" ao plantio de sementes transgênicas, o que seria equivalente a uma barreira comercial injusta, alguns agricultores e produtores de sementes se queixam de que a Europa ainda não se abriu a elas.
Um pequeno, mas crescente, número de países europeus, inclusive Espanha, Portugal e Alemanha, autoriza algumas plantações geneticamente modificadas. Mas só duas sementes transgênicas (a MON810 e a Amflora, de batata), entre dezenas que existem no mercado global, passaram pelo laborioso processo de aprovação da Comissão Europeia, um pré-requisito para o seu uso.
Além disso, partes da Europa se declararam "zonas livres de transgênicos". França, Áustria e Alemanha proíbem especificamente a MON810. Na Itália, um kafkiano processo de aprovação, em que o Ministério da Agricultura jamais estabeleceu as exigências necessárias, torna praticamente impossível o cultivo de produtos geneticamente modificados.
Tais táticas refletem uma apaixonada oposição aos transgênicos em muitas partes da Europa. Embora os dados científicos sejam inconclusivos, há uma ampla convicção na Itália de que os alimentos transgênicos representam uma ameaça à saúde humana e aos ecossistemas.
Após a provocação de Fidenato, investigadores realizaram testes genéticos para localizar as plantas transgressoras nos milharais. As autoridades interditaram duas lavouras suspeitas, cerca de 9 hectares, e declararam os plantios ilegais. Ativistas do Greenpeace cortaram os pendões das plantas para evitar que o pólen se disseminasse.
Em 9 de agosto, brandindo facões, cem ambientalistas de um grupo antiglobalização chamado Ya Basta chegaram a Vivaro e pisotearam as plantações. Deixaram para trás placas com um crânio e tíbias cruzadas, com os dizeres: "Perigo - contaminado - transgênico".
O assunto divide os agricultores locais, mas Luca Tornatore, porta-voz do Ya Basta, admitiu que, em meio à "blitz" antitransgênicos, não houve muito tempo para conversar com as pessoas.
O ministro da Agricultura, Giancarlo Galan, chamou os manifestantes de "vândalos". Já Luca Zaia, ex-ministro da pasta e governador da vizinha região do Vêneto, elogiou a ação, dizendo que "é preciso mostrar às multinacionais que elas não podem introduzir produtos Frankenstein no seu país sem autorização".
As autoridades de segurança alimentar dos EUA e da Europa dizem não haver comprovação científica de que o consumo do milho MON810 seja perigoso. Mas há uma maior discordância sobre como as plantas geneticamente modificadas afetam os ecossistemas, e se as plantas tradicionais e transgênicas podem ser mantidas separadas para evitar a "contaminação" -como dizem os agricultores orgânicos- dos cultivos tradicionais. Sementes e pólen podem viajar centenas de quilômetros.
O Greenpeace considera o julgamento da União Europeia a favor da MON810 como "fundamentalmente falho".
A Comissão Europeia tem tentado buscar um meio termo. Ela exige que os países estabeleçam procedimentos para separar os plantios tradicionais dos transgênicos. Mas propostas recentes dão às regiões crescente liberdade para negar a entrada de tais plantas, se houver provas cientificas de que as sementes podem afetar o ambiente.
A larva da broca do milho cava túneis até as espigas, permitindo que fungos preencham os buracos deixados. Alguns dos fungos já foram associados a doenças graves, inclusive alguns tipos de câncer.
Alguns produtores rurais usam inseticidas para combater a broca. Outros simplesmente ignoram o problema, segundo Fidenato.
Ele alertou que, se o governo italiano não for tolerante com as sementes transgênicas, ele controla um exército de agricultores dispostos a plantar a MON810.
Mas parece que não haverá vitória rápida na batalha de Vivaro. Existe a possibilidade de cadeia ou pelo menos multa para Fidenato (plantio ilegal) e para Tornatore (violação e destruição de propriedade privada).


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