São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Biblioteca de cérebros ganha local de descanso

Por RANDI HUTTER EPSTEIN
NEW HAVEN, Connecticut - Dois andares abaixo do nível principal da biblioteca da faculdade de medicina da Universidade Yale, há uma sala cheia de cérebros. Não, não são os alunos. Esses mais de 500 cérebros estão em jarros de vidro.
Os cérebros cancerosos foram colecionados por Harvey Cushing, um dos primeiros neurocirurgiões dos Estados Unidos. Eles foram doados para Yale após sua morte, em 1939, mas com o tempo esse tesouro da história médica tornou-se um monte de vidros rachados e registros cobertos de pó, guardados em vários caixotes.
Em junho de 2010, depois de um esforço colossal para limpar e organizar o material, os cérebros encontraram seu lugar de descanso atrás de vitrines em torno do perímetro do Cushing Center, uma sala destinada exclusivamente a eles. Esses pedaços de cérebro flutuando em formol ajudam a ilustrar o surgimento da neurocirurgia e a evolução da medicina americana no século 20.
O tecido veio de pacientes dos primeiros dias da cirurgia cerebral, quando os médicos não tinham instrumentos de diagnóstico por imagem para localizar um tumor, nem iluminação adequada para o campo cirúrgico; quando a anestesia era rudimentar e às vezes nem sequer usada; quando não existiam antibióticos para combater potenciais infecções. Alguns pacientes sobreviviam ao procedimento, principalmente se Cushing estivesse ao seu lado.
Quando Cushing não conseguia remover um tumor, ele retirava um pedaço do crânio para que o tumor crescesse para fora, em vez de comprimir o cérebro. Não era uma cura, mas aliviava o paciente de muitos sintomas.
Nascido em Cleveland em 1869, Cushing foi aluno de graduação em Yale e terminou sua carreira aqui como professor de história da medicina. Ele passou a maior parte de sua carreira como chefe de neurocirurgia, uma nova especialidade, no Hospital Peter Bent Brigham da Universidade Harvard.
Quando começou a operar, alguns outros médicos também se aventuravam pelo cérebro, mas a maioria dos pacientes não sobrevivia ao procedimento.
"Na primeira década do século 20, Cushing tornou-se o pai da neurocirurgia eficaz", escreveu o historiador médico Michael Bliss em "Harvey Cushing: A Life in Surgery" [Harvey Cushing, uma vida na cirurgia].
Dennis Spencer, presidente de neurocirurgia em Yale e professor da cadeira Harvey e Kate Cushing de neurocirurgia, disse que a principal realização de Cushing foi "sua técnica de operação meticulosa".
"Qualquer que fosse a abordagem que usasse para alcançar um tumor", disse Spencer, "ele tinha uma avaliação incrivelmente boa em termos de onde estava o tumor, como chegar lá sem danificar o cérebro e depois sair."
Os cirurgiões cerebrais naquela época eram detetives médicos que confiavam principalmente nos relatos dos sintomas feitos pelos pacientes para descobrir onde estava o tumor. O dr. Cushing popularizou um exame do olho que aproveitava as maneiras específicas como diferentes tumores podem distorcer a visão - uma estratégia usada até os anos 1970, quando foi substituída pelos exames de ressonância magnética e outros diagnósticos por imagem.
Ainda hoje, muitos tumores na glândula pituitária, que fica sobre os nervos ópticos, são inicialmente detectados porque os pacientes têm problemas de visão.Cushing descobriu que os tumores na pituitária poderiam causar vastas alterações no corpo. A doença de Cushing e a síndrome de Cushing levam seu nome por causa de suas descobertas.
Na verdade, comparativamente se fez pouco progresso desde a época de Cushing para realmente prolongar a vida dos pacientes de câncer de cérebro. "É fascinante como avançamos em termos de tecnologia, mas não em termos de progresso para a maioria das doenças", disse Spencer. Ele acrescentou, porém, que "em muitos tumores estamos chegando mais perto da compreensão genética".
Cushing ganhou um Prêmio Pulitzer em 1928 por sua biografia de seu mentor, William Osler.
A restauração de sua coleção de cérebros, que custou US$ 1,4 milhão, foi parcialmente paga pela família de um antigo paciente.
Os cérebros e seus registros estavam em uma "completa bagunça", lembrou Gil Solitaire, professor de neuropatologia em Yale nos anos 1960. "Alguns cérebros estavam totalmente desidratados, e os jarros, rachados", disse.
Christopher J. Wahl, professor assistente de ortopedia e medicina esportiva na Universidade de Washington em Seattle, escreveu sua tese sobre os cérebros quando era estudante de medicina em Yale, despertando o interesse pela restauração.
"O mais incrível é que não é apenas a documentação física dos primeiros dias da neurocirurgia, mas um documento social", disse Wahl. "A coragem desses pacientes que realmente não tinham a quem recorrer, e esse homem que era -caubói é a palavra errada, mas um incrível inovador que fez as coisas na hora e no lugar certos."


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