São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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Com um poema, o espírito se despede

Indígenas adaptam discussão sobre a morte à sua tradição
Por BEN DAITZ, M.D.

FORT DEFIANCE, Arizona - Na cultura dos índios navajos, supõe-se que falar da morte a atrai, e, por essa razão, o assunto é tabu. O nome de um morto nunca é pronunciado.
Por isso, cabe à navajo Mitzie Begay, coordenadora intercultural do programa de atendimento domiciliar do Hospital Indígena de Fort Defiance, encontrar maneiras confortáveis de iniciar uma conversa com os pacientes e suas famílias a respeito da morte e também de coisas como testamentos vitais, ordens de não ressuscitação, tubos de alimentação e respiradores artificiais.
O geriatra Timothy Domer, que até dezembro foi o diretor do programa, disse que seus pacientes tinham uma perspectiva diferente das pessoas. Quando Domer criou o programa, há cinco anos, ele reviu os prontuários hospitalares para ver quantos continham instruções dos pacientes sobre como gostariam de ser tratados caso ficassem incapacitados. "Não havia nenhum - zero", disse.
"Nossa meta não é só mudar a forma como as pessoas morrem", disse, "mas mudar a forma como vivem as que estão morrendo, e como suas famílias experimentam e vão recordar da morte."
Begay, a nova diretora, disse que, no começo, não se sentia confortável em falar sobre o fim da vida.
Mas ela e sua equipe encontraram uma abordagem inovadora: um poema. Isso serve para iniciar uma discussão sobre testamentos vitais e diretrizes antecipadas [sobre tratamentos aos quais a pessoa aceita ou não se submeter].
Domer diz que 90% dos pacientes no programa subscreveram o poema e outras diretrizes padronizadas.
"Mudamos a forma como os pacientes vivem seus últimos dias, ao abrir a discussão sobre a morte, e ao dar aos pacientes e a suas famílias a oportunidade de nos dizer o que é importante para eles."
Quando alguém morre no "hogan" (oca), por exemplo, um buraco é aberto na parede norte para deixar o espírito bom sair, e, então, o "hogan" é abandonado.
"Já vi vários pacientes terminais, particularmente pacientes idosos que só falavam navajo, cujas famílias os traziam aqui ao hospital para morrer", contou Domer. "Uma das razões [...] é que, se morreram no 'hogan', o resto da família teria de sair."
James Taylor, especialista em bioética, estudou as visões dos navajos sobre os cuidados em pacientes terminais. Ele disse que o poema dá às pessoas a chance de discutir de forma o planejamento para a morte. "É uma abordagem compassiva e está de acordo com os valores gêmeos que os navajos partilham com a cultura americana dominante -autonomia individual e dignidade pessoal."
Begay e sua colega Gina Nez visitaram Jimmy Begay (que não é parente dela). Na Segunda Guerra Mundial, ele foi um dos navajos usados pelos EUA em transmissões de rádio jamais decifradas pelos japoneses.
Jimmy Begay subscreveu o poema e as diretrizes antecipadas, assim como fez Mitzie Begay.
"Tradicionalmente, nossa crença é ter uma atitude positiva", disse Mitzie. "Depois que um paciente morre, você não se apega, pois o falecido não está mais na 'Mãe Terra'. Você se lava, pega seu pólen de milho e toca a vida."


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