São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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ARTE & ESTILO

ENSAIO

A.O. SCOTT

Cinema se espalha por diversos países

Produção de qualidade está em muitos lugares

O cinema está em alta em todo o mundo. A lista de cinemas mundiais que merecem ser acompanhados parece crescer a cada ano que passa, abrangendo países como Coreia do Sul, Sérvia, Cazaquistão, África do Sul, Tailândia e uma dúzia de outros. Novas ondas de criatividade estão crescendo na Europa oriental, sudeste da Ásia e América Latina. A Rússia passa pelo que talvez seja o maior crescimento em seu cinema desde a década de 1960. França, Itália e Alemanha se negam a ser ignorados.
E há a Grécia, com "Dente Canino", de Giorgos Lanthimos, uma alegoria assustadora, divertida, filmada com elegância, sobre algo muito estranho na natureza humana. Lanthimos faz parte de uma geração de cineastas gregos cujo trabalho é iconoclasta, formalmente ousado e às vezes abrasivo. Esses diretores, por sua vez, integram uma rede frouxa que se espalha por boa parte do mundo, interligada pela promessa de exposição em festivais e o desafio de levantar financiamento em um clima mundial de restrições econômicas.
É claro que filmes de valor frequentemente são desprezados nas festas de premiação, mas esse descaso acontece com tanta frequência que pode ser visto como algo que, todos os anos, nos recorda da maneira sistemática em que o establishment americano marginaliza boa parte do cinema mundial.
Entretanto, uma das poucas surpresas dos Globos de Ouro, em 16 de janeiro, foi o prêmio dado a "Carlos", o trabalho de mais de cinco horas de duração do diretor francês Olivier Assayas sobre Carlos, o Chacal, terrorista notório dos anos 1970 e 1980. O prêmio representou um momento positivo de cosmopolitismo em um evento previsivelmente paroquial: 11 línguas faladas no filme; cenas rodadas em dezenas de lugares da Europa e do Oriente Médio; um elenco poliglota liderado por um astro venezuelano, Édgar Ramírez.
Mas "Carlos" não foi indicado na categoria de melhor filme em língua estrangeira (o vencedor desta foi "Em Um Mundo Melhor", da Dinamarca): foi feito para a televisão francesa e exibido pela primeira vez nela, sendo, portanto, não apto a ser levado em consideração pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A vitória de Assayas foi na categoria de melhor minissérie ou filme para a televisão.
Mas a exclusão de "Carlos" do Oscar parece arbitrária.
Neste ano, os indicados ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira são "Dente Canino", da Grécia, "Incêndios", do Canadá, "Biutiful", do México, "Foras-da-Lei", da Argélia, e "Em Um Mundo Melhor".
"Sobre Homens e Deuses", o comovente drama de Xavier Beauvois sobre monges franceses na Argélia durante a guerra civil, também foi esnobado pela Academia. Esta insiste na regra de um filme por país, mas por que "Sobre Homens e Deuses" deveria ter sido a única chance da França? E o que é que determina a nacionalidade de um filme? Por que "Foras-da-Lei", de Rachid Bouchareb, é um filme argelino, e não francês, considerando-se que seu diretor é cidadão francês e que o filme foi feito com dinheiro principalmente francês, estando, portanto, dentro dos estatutos legais da França relativos à produção cinematográfica? E o que faz de "Biutiful", rodado em Barcelona com um elenco espanhol, um filme mexicano?
Essa miopia cultural é simplesmente a continuação de uma tendência que está presente há 30 anos, apesar de a moda, os games, a música pop, as mídias sociais e praticamente todo o resto terem encolhido o mundo e lançado pontes sobre diferenças de cultura e gostos.
Hollywood continua a ser um lugar que acolhe bem talentos vindos de lugares distantes: sempre houve espaço para atores britânicos e australianos, símbolos sexuais intercontinentais e diretores emigrados.
Mas Hollywood lança uma sombra comprida sobre o resto do planeta. No passado, houve protestos contra o imperialismo cultural americano.
Minha preocupação aqui é com o protecionismo cultural -o impulso não de conquistar o resto do mundo, mas de criar obstáculos à sua penetração.
Em cinemas de arte espalhados pelos EUA e na televisão a cabo, talvez haja mais variedade e vitalidade do que nunca. Sim, é verdade que, em alguns círculos, está na moda chorar os bons velhos tempos em que diretores e astros internacionais -principalmente europeus e japoneses- eram nomes conhecidos por todos.
Mas os últimos 15 anos também podem ser descritos como uma era de ouro. O que mudou é o senso de peso cultural e moeda social.
Isso pode ser produto da superabundância. As novas tecnologias e tradições se proliferam e polinizam umas às outras tão rapidamente que mesmo um residente permanente no circuito internacional de festivais de cinema teria dificuldade em continuar a par de tudo.


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