São Paulo, segunda-feira, 07 de junho de 2010

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Migração desafia economia fraca

Filipinos soldam na Austrália; indianos constroem em Dubai

Jes Asnar para o New York Times
Desiree Reyes, que aprende a soldar no Centro Feminino Tesda

Por JASON DEPARLE

MANILA
A economia mundial pode estar atravessando uma fase ruim, mas a migração internacional dá poucos sinais de recuo.
Globalmente, o número de migrantes não cai, e no ano passado eles remeteram mais dinheiro do que se previa. Muitos migrantes perderam seus empregos, mas poucos decidiram voltar para casa, mesmo se alguém pagasse.
Em alguns lugares, cresceu a demanda por mão de obra estrangeira.
Do Arizona à Calábria, críticos advertem que fronteiras porosas prejudicam trabalhadores nativos, ameaçam as culturas locais e aumentam a criminalidade.
Mas a crise não reduziu o fluxo migratório como se esperava, revelando forças persistentes que impulsionam os migrantes a se aventurar no exterior.
Talvez nenhum outro lugar ilustre tanto a sedução da migração quanto as Filipinas, país de quase 100 milhões de pessoas, onde 25% da mão de obra trabalha no exterior. Em 2009, o país bateu recordes no número de emigrantes e nas remessas financeiras feitas por eles.
"Mal sentimos a crise global", disse Marianito Roque, secretário (ministro) do Trabalho, que vem promovendo as virtudes da mão de obra filipina pelo mundo.
Em cada canto da capital Manila, em meio aos congestionamentos de "jeepneys" (micro-ônibus), alguém parece estar sempre chegando ou partindo para um emprego no exterior.
No Centro de Treinamento Magsaysay, ao lado da baía de Manila, portadores de diploma universitário esfregam réplicas de cabines de navios, cobiçando empregos que podem pagar até quatro vezes o salário local. Um parque no outro lado da rua serve como um bazar de marinheiros -os filipinos somam um quinto dos marujos do mundo.
Perto dali, em seminários do governo, multidões de empregadas aprendem a cumprimentar futuros patrões em árabe, italiano e cantonês.
Algumas choram vendo um filme sobre uma babá que ganha um emprego no exterior, mas perde o amor dos seus filhos.
Médicos vão para o exterior como enfermeiros. Professoras saem como empregadas. Futuras emigrantes soltam fagulhas no Centro Feminino Tesda, onde o governo dá cursos gratuitos de soldadora.
Uma delas, Desiree Reyes, 29, passou três anos montando computadores em Taiwan, até que a recessão deixasse a fábrica ociosa. De volta, ouviu dizer que a Austrália precisava de soldadores e pagava até US$ 2.500 por mês, cerca de dez vezes seu salário em Manila. "Quero ir para fora outra vez, e estão dizendo que as soldadoras mulheres têm mais oportunidades", disse ela.
Ali mulheres aprendem também a consertar carros, costurar saias e montar mesas de banquetes. Cartazes celebram ex-alunas, como Marjury Briones, "talentosa bartender" num hotel no Bahrein.
Com seus traços suaves, Reyes parece mais uma vendedora de cosméticos do que uma aprendiza industrial. Mas ela gosta de olhar o metal fundido e ignora as marcas de queimaduras nas mãos. "Não penso nisso como um trabalho masculino -é só trabalho."
A crise financeira se segue a uma era de crescente mobilidade, que espalhou trabalhadores estrangeiros pelo globo. Babás polonesas criam bebês irlandeses, e indianos constroem torres em Dubai. Dos 15 milhões de empregos abertos nos EUA na década prévia ao estouro da crise, quase 60% foram preenchidos por estrangeiros, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).
É claro que a crise também afetou os migrantes, às vezes de maneira desproporcional. Um relatório do Instituto de Políticas da Migração concluiu que nos últimos três anos o desemprego cresceu 4,7 pontos percentuais entre os americanos nativos, e 9,1 pontos entre imigrantes do México e da América Central.
A xenofobia cresceu em alguns lugares, às vezes provocando violência. Distúrbios em 2008 na África do Sul mataram dezenas de migrantes africanos. Neste ano, o papa condenou ataques a trabalhadores rurais africanos na Itália.
Mas, com poucas exceções, as dificuldades não levam os migrantes a regressar.
Espanha, Japão e República Tcheca tentaram pagar aos estrangeiros para irem embora, mas poucos aceitaram.
Da mesma forma, o número de mexicanos que deixam os EUA não subiu, disse Jeffrey Passel, do Centro Hispânico Pew. Embora a economia e a vigilância das fronteiras tenham reduzido as novas chegadas, a população total de mexicanos nos EUA seguiu igual.
Hania Zlotnik, diretora da Divisão Populacional da ONU, disse que "em todo o mundo a crise reduziu o crescimento da migração, mas o número de migrantes ainda está crescendo".
Há muitas razões. Alguns países receptores escaparam da recessão, especialmente no Oriente Médio. Algumas nações de origem foram muito afetadas, o que contribui para que muitos partam ou fiquem fora. Mesmo em más fases econômicas, os migrantes costumam fazer trabalhos que outros evitam, como colher safras ou limpar banheiros. E muitos migram não por razões econômicas, mas para se reunir a pais ou cônjuges.
Mas até acadêmicos que há muito tempo estudam essas dinâmicas esperavam que a crise global tivesse contido mais a migração. "É a resiliência dos fluxos migratórios internacionais que é o mais impressionante", escreveram os acadêmicos da migração Stephen Castles, da Universidade de Oxford, e Mark Miller, da Universidade de Delaware, num texto em abril.
O filipino Fortz Portagana, 58, que se mudou para Omã em 2006 e abriu uma pequena empresa de navegação, é um exemplo da tenacidade dos migrantes. Quando a economia quebrou, pensou em regressar às Filipinas, mas não viu perspectivas.
Ele já havia esgotado sua poupança para emigrar, e voltar de mãos vazias à sua pequena propriedade rural seria um vexame. Então, ele pegou empréstimos com parentes empregados no Oriente Médio, reduziu despesas e continuou mandando US$ 200 por mês para casa.
Quando os negócios melhoraram, ele contratou um filho e achou emprego para outro. "Este é um lugar melhor para eles ganharem a vida", disse.


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