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Migração desafia economia fraca
Filipinos soldam na Austrália; indianos constroem em Dubai
Jes Asnar para o New York Times
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Desiree Reyes, que aprende a soldar no Centro Feminino Tesda
Por JASON DEPARLE
MANILA
A economia mundial pode estar atravessando uma fase ruim, mas a migração
internacional dá poucos sinais de recuo.
Globalmente, o número de migrantes não cai, e no ano passado eles remeteram mais
dinheiro do que se previa. Muitos migrantes perderam seus empregos, mas poucos
decidiram voltar para casa, mesmo se alguém pagasse.
Em alguns lugares, cresceu a demanda por mão de obra estrangeira.
Do Arizona à Calábria, críticos advertem que fronteiras porosas prejudicam
trabalhadores nativos, ameaçam as culturas locais e aumentam a criminalidade.
Mas a crise não reduziu o fluxo migratório como se esperava, revelando forças
persistentes que impulsionam os migrantes a se aventurar no exterior.
Talvez nenhum outro lugar ilustre tanto a sedução da migração quanto as
Filipinas, país de quase 100 milhões de pessoas, onde 25% da mão de obra
trabalha no exterior. Em 2009, o país bateu recordes no número de emigrantes e
nas remessas financeiras feitas por eles.
"Mal sentimos a crise global", disse Marianito Roque, secretário (ministro) do
Trabalho, que vem promovendo as virtudes da mão de obra filipina pelo mundo.
Em cada canto da capital Manila, em meio aos congestionamentos de "jeepneys"
(micro-ônibus), alguém parece estar sempre chegando ou partindo para um emprego
no exterior.
No Centro de Treinamento Magsaysay, ao lado da baía de Manila, portadores de
diploma universitário esfregam réplicas de cabines de navios, cobiçando empregos
que podem pagar até quatro vezes o salário local. Um parque no outro lado da rua
serve como um bazar de marinheiros -os filipinos somam um quinto dos marujos do
mundo.
Perto dali, em seminários do governo, multidões de empregadas aprendem a
cumprimentar futuros patrões em árabe, italiano e cantonês.
Algumas choram vendo um filme sobre uma babá que ganha um emprego no exterior,
mas perde o amor dos seus filhos.
Médicos vão para o exterior como enfermeiros. Professoras saem como empregadas.
Futuras emigrantes soltam fagulhas no Centro Feminino Tesda, onde o governo dá
cursos gratuitos de soldadora.
Uma delas, Desiree Reyes, 29, passou três anos montando computadores em Taiwan,
até que a recessão deixasse a fábrica ociosa. De volta, ouviu dizer que a
Austrália precisava de soldadores e pagava até US$ 2.500 por mês, cerca de dez
vezes seu salário em Manila. "Quero ir para fora outra vez, e estão dizendo que
as soldadoras mulheres têm mais oportunidades", disse ela.
Ali mulheres aprendem também a consertar carros, costurar saias e montar mesas
de banquetes. Cartazes celebram ex-alunas, como Marjury Briones, "talentosa
bartender" num hotel no Bahrein.
Com seus traços suaves, Reyes parece mais uma vendedora de cosméticos do que uma
aprendiza industrial. Mas ela gosta de olhar o metal fundido e ignora as marcas
de queimaduras nas mãos. "Não penso nisso como um trabalho masculino -é só
trabalho."
A crise financeira se segue a uma era de crescente mobilidade, que espalhou
trabalhadores estrangeiros pelo globo. Babás polonesas criam bebês irlandeses, e
indianos constroem torres em Dubai. Dos 15 milhões de empregos abertos nos EUA
na década prévia ao estouro da crise, quase 60% foram preenchidos por
estrangeiros, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico (OCDE).
É claro que a crise também afetou os migrantes, às vezes de maneira
desproporcional. Um relatório do Instituto de Políticas da Migração concluiu que
nos últimos três anos o desemprego cresceu 4,7 pontos percentuais entre os
americanos nativos, e 9,1 pontos entre imigrantes do México e da América
Central.
A xenofobia cresceu em alguns lugares, às vezes provocando violência. Distúrbios
em 2008 na África do Sul mataram dezenas de migrantes africanos. Neste ano, o
papa condenou ataques a trabalhadores rurais africanos na Itália.
Mas, com poucas exceções, as dificuldades não levam os migrantes a regressar.
Espanha, Japão e República Tcheca tentaram pagar aos estrangeiros para irem
embora, mas poucos aceitaram.
Da mesma forma, o número de mexicanos que deixam os EUA não subiu, disse Jeffrey
Passel, do Centro Hispânico Pew. Embora a economia e a vigilância das fronteiras
tenham reduzido as novas chegadas, a população total de mexicanos nos EUA seguiu
igual.
Hania Zlotnik, diretora da Divisão Populacional da ONU, disse que "em todo o
mundo a crise reduziu o crescimento da migração, mas o número de migrantes ainda
está crescendo".
Há muitas razões. Alguns países receptores escaparam da recessão, especialmente
no Oriente Médio. Algumas nações de origem foram muito afetadas, o que contribui
para que muitos partam ou fiquem fora. Mesmo em más fases econômicas, os
migrantes costumam fazer trabalhos que outros evitam, como colher safras ou
limpar banheiros. E muitos migram não por razões econômicas, mas para se reunir
a pais ou cônjuges.
Mas até acadêmicos que há muito tempo estudam essas dinâmicas esperavam que a
crise global tivesse contido mais a migração. "É a resiliência dos fluxos
migratórios internacionais que é o mais impressionante", escreveram os
acadêmicos da migração Stephen Castles, da Universidade de Oxford, e Mark
Miller, da Universidade de Delaware, num texto em abril.
O filipino Fortz Portagana, 58, que se mudou para Omã em 2006 e abriu uma
pequena empresa de navegação, é um exemplo da tenacidade dos migrantes. Quando a
economia quebrou, pensou em regressar às Filipinas, mas não viu perspectivas.
Ele já havia esgotado sua poupança para emigrar, e voltar de mãos vazias à sua
pequena propriedade rural seria um vexame. Então, ele pegou empréstimos com
parentes empregados no Oriente Médio, reduziu despesas e continuou mandando US$
200 por mês para casa.
Quando os negócios melhoraram, ele contratou um filho e achou emprego para
outro. "Este é um lugar melhor para eles ganharem a vida", disse.
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