São Paulo, segunda-feira, 07 de dezembro de 2009

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Um ônus sem fronteiras

Depois da crise da dívida de Dubai, analistas tentam prever o próximo grande estouro

Por GRAHAM BOWLEY
e CATHERINE RAMPELL

Governos e empresas de todo o mundo estão sobrecarregados por dívidas que, temem alguns, jamais serão totalmente pagas.
Enquanto Dubai luta para saldar suas contas, uma perturbadora pergunta paira sobre o mundo financeiro: será esse um fato isolado, ou o prenúncio de novos choques de dívidas?
Ao menos por enquanto, os investidores globais parecem enfrentar com tranquilidade os infortúnios de Dubai. Mas os percalços do emirado, cuja ilha artificial em forma de palmeira e sua pista de esqui coberta se converteram em símbolos da hiperriqueza, fazem alguns economistas se perguntarem se outras dívidas-bomba podem estar à espreita -e quão perigosas podem ser.
Os grandes bancos, que apenas começam a se recuperar dos choques financeiros do ano passado, agora estão nervosamente de olho na sua potencial exposição a corporações e governos altamente endividados.
Do Báltico ao Mediterrâneo, as contas de uma farra de crédito sem precedentes começam a vencer. Na Rússia e no antigo bloco soviético, onde o petróleo caro ajudou a alimentar um rápido crescimento, uma montanha de dívidas tem de ser refinanciada conforme promissórias de curto prazo expirarem.
Mesmo em nações ricas como Estados Unidos e Japão, que estão elevando seus gastos públicos para sustentar economias oscilantes, o crescente deficit orçamentário causa preocupação quanto à capacidade dos governos de arcar com suas dívidas, especialmente quando os juros voltarem a subir.
Os números são assustadores. Na Alemanha, tradicional bastião da retidão fiscal na Europa, a dívida do governo deve passar de 60% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2002 para 77% em 2010. No Reino Unido, a cifra deve mais do que dobrar no mesmo período, superando os 80%.
O ônus é ainda maior na Irlanda e na Letônia, onde booms econômicos propiciados pelo crédito fácil e pela valorização dos imóveis deram lugar a quebras acentuadas. A dívida pública na Irlanda, que era de apenas 25% do PIB em 2007, deve chegar a 83% no ano que vem. A Letônia está se afundando nas dívidas ainda mais rapidamente: seus empréstimos, que há meros dois anos equivaliam a apenas 9% do PIB, devem chegar a quase 50% no ano que vem.
A exemplo da Letônia, a Lituânia, a Estônia, a Bulgária e a Hungria também continuam expostas. Todas essas nações têm dívidas externas que superam os 100% dos seus PIBs, segundo Ivan Tchakarov, economista-chefe do banco Nomura para a Rússia e ex-Estados soviéticos.
A dívida externa costuma ser mantida em moeda estrangeira, o que significa que os governos não podem usar a desvalorização das suas próprias moedas como ferramenta para reduzir sua dívida quando se veem em apuros, segundo Maurice Obstfeld, professor de economia da Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Poucos analistas preveem que algum país importante irá declarar moratória das suas dívidas públicas num futuro imediato. Aliás, muitos sustentam que as nações ricas e o FMI iriam intervir se algum governo precisasse de um resgate. Mas não há garantias de que as empresas dessas nações, as quais, como os governos, se empanturraram de dívidas nos bons tempos, serão resgatadas.
A recusa de Dubai em garantir as dívidas do seu braço de investimentos, o Dubai World, pode estabelecer um precedente para que outros governos endividados abandonem empresas que os investidores no passado supunham ter pleno apoio estatal.
"Vejo ótimas razões para se preocupar com que em algum momento em 2010 iremos ver mais casos de 'ring-fencing' [isolamento da dívida], porque os governos percebem que não têm condições de garantir as dívidas dessas empresas", disse Pierre Cailleteau, diretor-gerente do grupo para riscos soberanos globais e economista-chefe da Moody's.
Kenneth Rogoff, economista de Harvard, afirmou que "neste momento todo país vulnerável tem um ou dois apoiadores de bolso cheio que praticamente descartam uma corrida repentina", mas que ele espera haver uma onda de moratórias daqui a cerca de dois anos.
Durante a crise, alguns governos assumiram dívidas cada vez mais de curto prazo. "Em mais um par de anos, conforme as dívidas dos países industrializados -em lugares como Alemanha, Japão e EUA- piorarem, eles ficarão mais relutantes em abrir suas carteiras para mercados emergentes perdulários, ou pelo menos para países que eles vejam dessa forma", disse Rogoff.
Diante da necessidade de rolar suas dívidas por vencer, os mercados emergentes podem ter de tomar emprestados cerca de US$ 65 bilhões só em 2010, segundo o analista independente Gary Kleiman.
Mas, enquanto a dívida pública pode ser um problema, a dívida corporativa pode desencadear uma crise que, de certa forma, já está ocorrendo. Os empréstimos corporativos explodiram nos últimos cinco anos. Segundo Kleiman, US$ 200 bilhões em dívidas empresariais vencem neste ano ou no próximo. Ele estima que empresas na Rússia e nos Emirados Árabes Unidos respondam por cerca de metade desses créditos. "É aí que está o calcanhar de Aquiles."
Empresas de vários países enfrentam testes imediatos. Na China, elas terão de contrair empréstimos de US$ 8,8 bilhões em 2010; no México, serão US$ 11 bilhões.
Segundo uma análise do JPMorgan Chase, as empresas russas emprestaram US$ 220 bilhões de bancos ou pela venda de títulos entre 2006 e 2008. Isso equivale a 13% do PIB russo. Nos Emirados, essa cifra foi de US$ 135,6 bilhões, ou 53% do PIB; na Turquia, foi de US$ 72 bilhões, ou 10% do PIB; e no Cazaquistão o valor foi de US$ 44 bilhões, ou 44% do PIB.
No passado, se as empresas não conseguissem saldar esses compromissos, os governos poderiam intervir. Mas algumas empresas já calotearam pagamentos depois que supostas garantias governamentais deixaram de se materializar.


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