São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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Ensaio - Richard W. Stevenson

Um vácuo narrativo

Não é fácil convencer uma nação de eleitores irritados, oposição tenaz e mídia dispersa -não quando você se tornou um presidente difícil de se definir

Presidência de Obama padece de um vácuo narrativo

Edel Rodriguez


Washington
Numa coisa amigos e inimigos do presidente dos EUA, Barack Obama, concordam: não é simples rotulá-lo.
Sim, ele é um progressista, exceto quando não é. Ele é contra as guerras, exceto a que está ampliando. É a favor de resgates financeiros, mas quer controlar os bancos. Está concentrando cada vez mais poderes, exceto quando é excessivamente deferente ao Congresso.
Num mundo com tantos problemas mutantes e intratáveis, nuance, flexibilidade e pragmatismo são sem dúvida coisas boas. No entanto, quando Obama concluiu seu discurso do Estado da União, em 27 de janeiro, com um apelo pela superação do jogo partidário, ele estava melancolicamente testando uma suposição mais ampla: é possível abraçar a complexidade numa cultura política e midiática que exige temas simples e promove o conflito?
O presidente americano, cuja marca registrada tem sido o ecletismo ideológico, claramente gostaria de achar que a resposta é sim. Mas, após um ano de mandato, Obama perdeu o controle da sua narrativa política, da sua capacidade de definir a história da sua Presidência por seus próprios termos. E a principal razão é que sua história já não é mais tão simples ou fácil de contar.
Isso não é pouca coisa. Os presidentes há muito tempo cultivam definições temáticas de si mesmos, para moldar a forma como suas escolhas são percebidas. Uma narrativa clara e forte ajuda um presidente a se conectar com os eleitores e a explicar a jornada que ele está liderando. A falta dela convida os adversários a criar um retrato menos lisonjeiro.
Tentando manter sua agenda, em um ano eleitoral que representa grande perigo para o seu partido Democrata, Obama enfrenta um vácuo narrativo. O fator novidade se desgastou, junto com a força do seu posicionamento como o anti-Bush, e ele se depara com uma oposição notavelmente unida.
Ele fracassou substancialmente até agora em aprovar sua principal iniciativa, a reforma do sistema de saúde. Os eleitores americanos podem ser desculpados por não se impressionar mais com o maior feito legislativo obamista, a aprovação do pacote de estímulo econômico de US$ 787 bilhões, já que a taxa de desemprego continua acima de 10%.
No momento, Obama corre o risco de que sua narrativa-padrão seja: ele salvou os bancos.
"É preciso ter uma história clara, fácil de entender", afirmou Mark McKinnon, responsável pela imagem de George W. Bush nas suas duas campanhas presidenciais, mas admirador confesso de Obama.
"A história de Obama está ficando muito complicada e confusa para os eleitores. Obama está tentando fazer tudo e agradar eleitorados demais. Os eleitores gostam dele e o consideram inteligente. Mas não têm exata clareza sobre ao lado de quem ele está lutando."
Obama chegou ao cargo com uma das narrativas mais elegantes da história eleitoral americana recente: era a encarnação da esperança e da mudança no país. Captou o espírito nacional, mas continuou suficientemente vago a ponto de significar praticamente tudo que o eleitor quisesse.
O desafio ficou mais difícil quando se tornou claro, no final de 2008, que a agenda inicial de Obama não seria a que ele escolhesse. Com o sistema financeiro derretendo, Obama apoiou ativamente medidas de crise que foram tomadas pelo governo Bush e as levou adiante.
De repente, como disse o historiador presidencial Richard Norton Smith, "o candidato da mudança virou o presidente da continuidade".
John Podesta, diretor da entidade progressista Centro para o Progresso Americano, que assessora Obama, disse que o presidente "fez campanha em cima de uma crítica do que estava errado com a economia americana e de uma ideia de como restaurar um senso de progresso e oportunidade". "Ele precisa restabelecer essa narrativa", afirmou. "O público passou, de forma muito perigosa, a achar que ele se preocupa mais em lidar com Wall Street do que em lidar com seus problemas."
O governo minimiza os alertas. "O presidente tem tido uma narrativa política consistente desde o dia em que pisou no cenário nacional, em 2004", disse Dan Pfeiffer, diretor de comunicações da Casa Branca. "A interpretação disso é cíclica."
Mas Obama admitiu, no seu discurso do Estado da União, que os eleitores haviam passado a duvidar de suas promessas de esperança e mudança. As pesquisas sugerem que ele está perdendo apoio entre independentes, e sua base progressista está agitada com sua política no Afeganistão, seu orçamento e sua disposição em fazer concessões a respeito da saúde.
A abordagem recente dele tem sido a de oferecer alguma coisa a todos. Houve promessas sobre autorizar homossexuais a se assumirem como tais nas Forças Armadas, sobre o fim da Guerra do Iraque, sobre a manutenção da luta no Afeganistão, sobre reduções tributárias para pequenas empresas, créditos fiscais a famílias com filhos, impostos sobre bancos e congelamento de parte dos gastos públicos. Aos republicanos, houve a promessa de que ele ouviria suas ideias.
A grande questão é se os eleitores o veem como um pragmático pós-ideológico ou um oportunista inconsistente.
Talvez nem mesmo uma definição mais precisa de si mesmo ajude Obama, pois a fragmentação da mídia e o ciclo acelerado das notícias implicam que qualquer presidente tem muito menos poder para moldar sua própria narrativa.
"Se você olha a forma como a mídia se transformou e a forma como a Casa Branca é coberta", disse Smith, "a própria tribuna [a Presidência] corre o risco de ser sufocada pelo rádio, pela TV a cabo e agora pelo Twitter".

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