São Paulo, segunda-feira, 08 de fevereiro de 2010

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CIÊNCIA & TECNOLOGIA

Ensaio - Steve Lohr

Modo de inovação da Apple valoriza o autor

Quanto mais, melhor. Essa é a receita mais usada para se alimentar novas ideias hoje em dia. Ela enfatiza uma espécie de igualitarismo da era da internet que comemora a "sabedoria da multidão" e a "inovação aberta". Junte todas as contribuições que encontrar na caixa de sugestões digital e o resultado será a inteligência coletiva, dizem livros e pesquisas acadêmicas.
Mas a Apple, fábrica de criatividade meticulosamente construída por Steve Jobs desde que ele voltou à empresa, em 1997, sugere outra fórmula de inovação, mais elitista e individual.
Essa abordagem se reflete no último gadget da empresa, com potencial para mudar o jogo, o recém-lançado "tablet" (ou prancheta) iPad. Ele poderá fazer sucesso ou tropeçar, mas claramente contém o gosto e a perspectiva de Jobs e parece marcado pelo antigo lema de marketing da empresa: "Pense diferente".
A Apple representa o "modelo de inovação", observa John Kao, consultor de inovações para corporações e governos. No modelo de autor, ele disse, existe uma forte conexão entre a personalidade do líder do projeto e o que é criado. Filmes de diretores poderosos, ele disse, são claros exemplos disso, de "Um Corpo que Cai", de Alfred Hitchcock, a "Avatar", de James Cameron.
Na Apple há um elo semelhante entre o líder máximo da equipe de design, Jobs, e os produtos. De computadores a "smartphones", os produtos da Apple são conhecidos por serem estilizados, poderosos e agradáveis de usar. São produtos editados que superam a complexidade, ao conscientemente deixar coisas de fora -não colocar todas as funções que passaram pela cabeça do engenheiro, uma mazela conhecida como "funcionite", que sobrecarrega tantos produtos tecnológicos. "Uma qualidade definidora da Apple tem sido a contenção do design", diz o consultor Paul Saffo.
Essa contenção é evidente no gosto pessoal de Jobs. Seu suéter preto de gola rulê, jeans sem cinto e tênis de corrida são um visual-assinatura. Em sua casa em Palo Alto, Califórnia, anos atrás, ele disse que preferia interiores sem muita coisa, livres, e então explicou o elegante artesanato das simples cadeiras de madeira em sua sala, feitas pelo designer de móveis George Nakashima.
Os grandes produtos, segundo Jobs, são vitórias do "gosto". E o gosto, ele explica, é um subproduto do estudo, da observação e de embeber-se da cultura do passado e do presente, de "tentar se expor às melhores coisas que os seres humanos fizeram".
Sua filosofia de design não é dirigida por comitês ou determinada pela pesquisa de mercado. A fórmula Jobs, segundo seus colegas, depende muito de tenacidade, paciência, fé e instinto. Ele se envolve profundamente nas opções de design de hardware e software, que aguardam sua aprovação pessoal. É claro que Jobs é membro de uma grande equipe na Apple, mesmo que seja o líder. De fato, ele muitas vezes descreveu seu papel como um líder de equipe. Ao escolher os membros-chave de sua equipe, ele procura o fator multiplicador da excelência.
Os designers, engenheiros e gerentes que se destacam, ele diz, não são apenas 10%, 20% ou 30% melhores que os apenas bons, mas dez vezes melhores. Suas contribuições, ele acrescenta, são a matéria-prima dos produtos "aha", que fazem os usuários repensar suas ideias sobre, por exemplo, um tocador de música ou um telefone celular.
"A verdadeira inovação na tecnologia envolve um salto à frente, antecipando necessidades que ninguém sabia que tinha, e então oferecendo capacidades que redefinem as categorias de produtos", disse David B. Yoffie, professor da Escola de Economia de Harvard. "Foi o que Steve Jobs fez."
O momento certo é essencial para dar esses grandes saltos à frente. Carver Mead, cientista da computação do Instituto de Tecnologia da Califórnia, disse certa vez: "Escutem a tecnologia; descubram o que ela está dizendo".
Jobs é inegavelmente um marqueteiro e um showman talentoso, mas também é um hábil ouvinte da tecnologia.
Ele chama isso de "identificar vetores na tecnologia ao longo do tempo", julgar quando uma inovação intrigante está pronta para o mercado. O progresso técnico, os preços acessíveis e a demanda do consumidor se combinam para produzir um artigo de sucesso.
Na verdade, os designers e engenheiros da Apple vêm trabalhando no iPad há anos, apresentando periodicamente protótipos a Jobs. Nenhum foi aprovado até recentemente.
A aposta no iPad poderá ser uma perda para a Apple. Alguns céticos o veem ocupando um terreno indefinido entre um iPod e um notebook, e também é um brinquedo caro, de US$ 499 a US$ 829. Lembrem-se, porém, de que quando o iPod foi lançado, em 2001, os críticos brincaram que o nome era uma sigla de "idiots price our devices" (algo como "idiotas nos vendem equipamentos caros"). E sabemos quem riu por último então.


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